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A mostrar mensagens de maio, 2019

Ciclo Schubert III

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                                                      De volta a Schubert para mergulharmos nas profundezas da escuridão espiritual (Impromptu D935). De todos os improvisos, este é o menos sedutor numa primeira audição, no entanto, é aquele que revela a busca de uma linguagem pianística e poética mais profunda. A peça não parece destinar-se à sala de concertos, nem sequer à audição em salões privados. Não tenhamos dúvidas: Schubert compôs isto para si mesmo, e em cada compasso impôs-se uma busca de expressividade mais concentrada. O improviso inicia-se de uma forma repentina e inquietante. Se a figura rítmica inicial domina, domina em benefício da linha melódica: por volta dos 2 minutos e 50 dá-se a junção de dois universos aparentemente incompatíveis – um de origem rítmica e outro de inspiração melódica - na superação do equilibro clássico c...

Fidelio II

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Um hino à liberdade Fidelio, já aqui se disse, é a história de um prisioneiro, salvo pela coragem da sua mulher. O enredo de Fidelio é particularmente interessante, uma vez que, Fidelio é, na verdade, Leonora, a mulher do prisioneiro político Florestan. No entanto, Fidelio tem um problema sério, porque a filha do carcereiro está apaixonada por ele, isto é, por Leonora. Mas não eram as questões de identidade a fonte das preocupações de Beethoven. A obra acontece numa época que tem como pano de fundo assuntos como a tirania, a injustiça e o desejo pela liberdade evocando assim as três bandeiras da Revolução Francesa: a Igualdade; a Liberdade e a Fraternidade.     Por isso, não é de estranhar o impressionante Coro do Prisioneiros, numa página magistral na qual convergem os elementos dramáticos individuais e os elementos colectivos e, portanto, políticos. É uma magnífica metáfora da condição humana oprimida por um poder injusto. Beethoven faz-nos ouvir o coro dos pri...

Fidelio I

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“A minha força é a do dever que me inspira a constância dos laços do amor.” - Leonora Do lado de cá das trincheiras é necessário hastear bem alto esta bandeira: há em Beethoven momentos em que tocar lindamente pode ser absolutamente anti-musical. Isto é: muitos dos que deploram a frivolidade da música de ouvido fácil – música ambiente e de entretenimento - composta expressamente para ser ouvida em lounges-café, bares, restaurantes, elevadores e outros, talvez se conformem em saber que o conceito não nasceu nas esplanadas de Bicanca. A música ambiente é tão velha como a própria música. Porém, grande parte daqueles que a deploram são os primeiros a renderem-se à agradável “Música de Jantar” de um Telemann, ou de um Haydn e de um Mozart, que compunham música para idênticos fins (que com frequência ultrapassavam o que lhes tinha sido encomendado, diga-se). No período barroco e grande parte do período clássico, era vulgar os compositores escreverem música especificamente pa...

Ciclo Schubert II

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Se quiséssemos compreender a vida de Franz Schubert através de uma obra sua, escolheria a Sonata nº 18. Se compreendermos esta Sonata, provavelmente, compreenderemos grande parte da sua vida e obra. A Sonata é uma tradução dos problemas que acossavam Schubert na altura em que a compôs. Ao desabar com o seu irmão, afirmou: “ Ninguém pode compreender o desgosto ou a alegria dos outros! Julgamos ir ao encontro uns dos outros, mas em realidade caminhamos uns ao lado dos outros. Quanto sofrimento causa darmo-nos conta disto!”                                                           Andamento I – Moderato O Silêncio O primeiro andamento é uma página simultaneamente grandiosa e depurada, como se Schubert estivesse unicamente preocupado em reduzir a vida ao seu significado último. Esta solidão a que alude na carta ao i...

Ciclo Schubert I

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Improviso 3 Na verdade, nenhum dos compositores da chamada Trindade Vienense , Haydn, Mozart e Beethoven, nasceu em Viena. Franz Schubert foi o primeiro grande compositor nascido em Viena. Cidade que, com excepção de algumas poucas ocasiões, nunca abandonou uma vez nascido em 1797 até à morte precoce, aos 31 anos, em 1828.    A circunstância assinalável reside no facto de serem estes os anos em que  Beethoven também residiu em Viena. Por isso, houve pelo menos 20 anos em que os dois músicos viveram na mesma cidade e, apesar de Schubert ter venerado Beethoven, o dado curioso é que nunca tentou nenhuma aproximação ao embaixador universal.  O motivo é simples. Beethoven e Schubert tinham amizades diferentes e pertenciam a círculos de diferentes significados sociais, culturais e políticos.    Escolhi o Improviso nº 3 para iniciar este ciclo de Schubert, porque o conjunto dos quatro improvisos do Opus 90 ao qual pertence, são  “pequenas peça...

A linguagem da transcendência

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                                                                                                                        Embora se execute muitas vezes com menos de mil intérpretes, a portentosa e excepcional “Sinfonia dos mil” de Gustav Mahler é a obra coral de maior escala da música clássica, e uma das minhas preferidas. Mahler rompeu aqui com a estrutura convencional, em vez de seguir a estrutura normal com vários andamentos, a obra está dividida apenas em duas partes. A primeira parte, que não me interessa agora, é baseada num hino cristão para as celebrações da Páscoa. A segunda, parte da literatura para a música, e é baseada na cena final do Fausto de Goethe como cantata dramá...