Ciclo Schubert II
Se
quiséssemos compreender a vida de Franz Schubert através de uma obra sua, escolheria
a Sonata nº 18. Se compreendermos esta Sonata, provavelmente, compreenderemos
grande parte da sua vida e obra. A Sonata é uma tradução dos problemas que
acossavam Schubert na altura em que a compôs. Ao desabar com o seu irmão,
afirmou: “ Ninguém pode compreender o
desgosto ou a alegria dos outros! Julgamos ir ao encontro uns dos outros, mas
em realidade caminhamos uns ao lado dos outros. Quanto sofrimento causa
darmo-nos conta disto!”
Andamento I
– Moderato
O Silêncio
O primeiro
andamento é uma página simultaneamente grandiosa e depurada, como se Schubert
estivesse unicamente preocupado em reduzir a vida ao seu significado último. Esta
solidão a que alude na carta ao irmão, e que lhe define o romantismo, parece as infelicidades passadas a levantarem-se por entre destroços para disso dar
testemunho a sua música. A descrição de um mundo desencantado é a sua
característica principal. Um ritmo de marcha surge num clima misterioso.
Schubert utiliza a dinâmica do piano para tirar partido dos próprios silêncios.
Este silêncio não é uma simples ausência da fala, mas um silêncio pleno de
significações, uma força complexa que questiona a própria linguagem, que
mais há a dizer se nos perpassa uma impressão inelutável de tragédia?
Andamento II
–Andante pocco mosso
A vida como
dissonância
Aqui, as
curvas melódicas - como a sua vida, são modeladas por contrastes e acordes
dissonantes – como reflexo da procura incessante da felicidade inacessível. Tal
como no primeiro andamento, a linha melódica quebra-se e o tempo acelera. A
intensidade dramática e virtuosismo crescem: repare-se na velocidade da mão
direita de Alfred Brendel que rompe com a linha de canto e acaba por se impor
no final.
Andamento
III – Scherzo: Allegro vivace – Trio: un poco piú lentodament
A urgência
de viver
Segundo os
melómanos, este andamento é tecnicamente muito difícil e arriscado, pelas
combinações de ritmos e modulações. No centro do andamento, deparamo-nos com
uma breve acalmia. Depois, a corrida endiabrada é retomada, plena de nervosismo
e energia.
Andamento IV
– Rondo: Allegro vivace
A inexorável
fatalidade
O final é um
dos mais densos das Sonatas de Schubert. Fugitivo e misterioso, é também fortemente
contrastante, prologando o espírito dos andamentos anteriores. Inicia-se num
clima sereno mas gradualmente vai adquirindo um impulso cada vez mais ameaçador sacudido por acordes violentos. Um sentimento de fatalidade paira em toda a obra.
A Sonata é a
tradução da sua consciência angustiada, onde Schubert parece questionar a
própria música e a vida. A amizade foi o único raio de sol que cintilou durante
toda a sua existência. A família, tal como os amores, não foram para ele mais
do que fontes de tristeza, decepção e histórias de encontros falhados. Sempre que ouço esta sonata sinto que a melancolia ou a amargura se abrem dentro de mim e me dissolvem o horizonte de uma qualquer certeza ou segurança. Sopra-me cá
dentro um vento forte capaz de me varrer a poeira dos olhos face à justificação de existir, pois que de
todo o modo, quem ganha sempre é a morte.
Escolhi o
Alfred Brendel por um motivo simples: se fosse mulher, era com ele que casava (ou com o António Guerreiro).
"chega-te mais, anda:
ResponderEliminarpara que não sopre duas vezes o vento
Através da nossa casa aberta."
[alguém disse]
Oh Babe...
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