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A mostrar mensagens de abril, 2020

Indomada

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René Magritte, Elogio da dialéctica, 1936  …uma casa para habitar está escondida numa janela; e o teu olhar fatiga-se nas árvores, nas flores, nas densas moitas, na hera que reveste os muros, no céu que te oferece um sol radioso porque filtrado pela clausura. Na janela, a lua é mais distante e os topos dos pinheiros tilintam-na com carinho até ferir. O canto dos pássaros será para os teus ouvidos um concerto indizivelmente só. Solitariamente, passearás silenciosamente   por caminhos os quais, como se tivessem sentimentos se fecham num só. E se estiveres muito pensativo, a ti sonhador, as fontes te alegrarão, se tudo estiver disposto a auxiliar, assim te agrade sentir que tudo te apraz libertar. Viva Abril

O tempo que proibiu os beijos

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                                                           O medo da morte é inimigo do amor pela humanidade , dizia hoje Pedro Tadeu na sua habitual crónica à segunda-feira na TSF. Com efeito, a Covid-19 acionou o pânico colectivo.   Mesmo aqueles que não leram Michel Foucault, o que será provavelmente a maioria da população portuguesa, reclamaram pelo biopoder, isto é, pela passagem imediata da sociedade disciplinar para a sociedade do controlo. É interessante constatar que grande parte daqueles que criticavam os que não se cansavam de promover e construir novos muros, caíram na tentação de fechar fronteiras, dando a pior resposta que poderia ser dada na actual sociedade global de risco.  O sociólogo alemão Ulrich Beck, foi pioneiro ao destacar os novos riscos que teríamos que enfrentar num mundo globalizado. Nã...

A lição da festa

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                                                                                   No fim de escutamos esta atmosfera alucinogénia de Just Because , fica a impressão de fim de festa, de uma ressaca ácida, de um amanhecer numa praia deserta após uma noite de borga, coberto de algas e merda de gaivota, um frio de rachar sem nos lembrarmos do que foi a noite passada. Muitos dos que escutarão pela primeira vez este estrondoso ritmo dos Jane’s Adiction, tenderão a compará-lo a uma qualquer banda de rock pesado. Não se cometa o erro de julgá-los pelas tonalidades murchas do tempo. Na verdade, os vocais ora suplicantes ora guinchantes, de Perry Farrell, sobre as guitarras de Navarro ora frenéticas ora dramáticas, são o ponto crucial de um estilo que ainda está a olhar p...

A ciência e o estranho estado das coisas

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                                                          O sonho prova que a razão produz monstros, Francisco de Goya (1746-1828)      Em tempos pandémicos, parece que apenas uma pequena parte da nossa cultura, no sentido filosófico do termo, é exegese. Note-se a este propósito, “o pânico frio” que invadiu a casa dos escritores que ficaram sem literatura (como refere o jornal Público de 10 de abril de 20 20). Com efeito, “estamos a viver num espaço público homogéneo”  salienta o António Guerreiro. De facto, tudo converge para um afunilamento monotemático daquilo que dá que pensar sobre aquilo que pode haver que pensar. Tudo o que anteriormente era susceptível de se tornar “objecto” da hermenêutica: a literatura, a música, a forma artística, foram relegados para os confins da existência, e só a técnica e a ciê...

Como a onda que passa

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Cantar. E em que haverá mais verdade do que em cantar? Quantas vezes não cantamos baixinho apenas para nos ouvirmos a nós próprios daquilo que nos alegra ou dói? Decerto que foi por isso que Vergílio Ferreira disse que é a forma mais profunda de sermos em exterior o que somos em interior, e fazermos desta interioridade uma exterioridade que nos acalma.   Por aqui, em tempos de histeria covidiana de confinamento obrigatório, os gostos e os interesses pessoais são a porta para a transcendência do real imediato.   Por vezes, um simples verso, pela sua luz, pelo ângulo de incidência no isolamento, pode emocionar-me a ponto de aceder aos domínios da evasão.                                         Black Pumas "Know You Better"                                         ...

Uma onda de calor para tempos covidianos

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Muitas das pessoas que conheço têm os gostos musicais congelados, ou então, muito provavelmente ficaram velhas demais para se darem ao trabalho descobrirem música nova. O facto de a base para a relevância dos gostos musicais ser configurada pela pop mainstream, cuja popularidade é suportada pelo mercado do acne, tende a sugerir que quanto menos música popular se ouve, menos relevante são os gostos. Ora, fugir do mainstream não significa voltar ao passado. Só porque não ouço Billie Eilish não significa que parei de ouvir música nova.                                                                                                                    Temos então por aqui a recente estre...