O tempo que proibiu os beijos
O medo da
morte é inimigo do amor pela humanidade, dizia hoje Pedro Tadeu na sua habitual
crónica à segunda-feira na TSF. Com efeito, a Covid-19 acionou o pânico colectivo.
Mesmo aqueles que não leram Michel
Foucault, o que será provavelmente a maioria da população portuguesa, reclamaram
pelo biopoder, isto é, pela passagem imediata da sociedade disciplinar para a
sociedade do controlo. É interessante constatar que grande parte daqueles que
criticavam os que não se cansavam de promover e construir novos muros, caíram na
tentação de fechar fronteiras, dando a pior resposta que poderia ser dada na actual
sociedade global de risco.
O sociólogo
alemão Ulrich Beck,
foi pioneiro ao destacar os novos riscos que teríamos que enfrentar num mundo
globalizado. Não lhe faltou perspicácia para indicar que o reverso dos riscos
do nosso mundo são os medos que são gerados, com o perigo de nos tornarmos uma
sociedade do medo.
Nas
condições da actual pandemia, a consideração de que - a globalização da doença
- deve ser respondida com a globalização da salubridade, isto é, com condições
para uma vida saudável à escala planetária, deve ser motivo de reflexão
crítica. Devíamos apostar tudo para alcançá-la na forma como são geridos o
risco e o medo, para não ficarmos presos entre eles. Ou arranjamos formas criativas de construirmos imunidade nas nossas comunidades ou formas regressivas.
A propósito
do novo Corona vírus, Pérez Tapias, professor e decano na Faculdade
de Filosofia, da Universidade de Granada, Espanha, publicou um artigo em
15-03-2020, em que dizia, “se deixarmos que o biopoder decida
arbitrariamente sobre a vida, ao prestar especial atenção aos índices de
mortalidade, quando as estatísticas se passam a nutrir pelos falecidos entre os
sectores dominantes da sociedade, mas não quando os que morrem são em
proporção maioritária, oriundos dos sectores subalternos, minoritários,
empobrecidos ou marginalizados da população, o biopoder subtrai as nossas demandas por uma sociedade mais justa e
igualitária.”
Quando
estamos sufocados pelo medo é que mostramos o que valemos.
Quando a
próxima geração nos perguntar, de forma desconcertante, porque foi que vivemos num
tempo em que os beijos foram proibidos, alguns, com o orgulho tipico do bom aluno, arranjarão suficientes razões validadas
pela ciência. Outros, responderão que aquilo que nos constitui,
é a tensão anímica entre a pulsão da vida e a pulsão da morte, e que que a cada
beijo roubado ao biopoder não houve culpabilidade.
Comentários
Enviar um comentário