A lição da festa





                                                                                  

No fim de escutamos esta atmosfera alucinogénia de Just Because, fica a impressão de fim de festa, de uma ressaca ácida, de um amanhecer numa praia deserta após uma noite de borga, coberto de algas e merda de gaivota, um frio de rachar sem nos lembrarmos do que foi a noite passada.

Muitos dos que escutarão pela primeira vez este estrondoso ritmo dos Jane’s Adiction, tenderão a compará-lo a uma qualquer banda de rock pesado. Não se cometa o erro de julgá-los pelas tonalidades murchas do tempo. Na verdade, os vocais ora suplicantes ora guinchantes, de Perry Farrell, sobre as guitarras de Navarro ora frenéticas ora dramáticas, são o ponto crucial de um estilo que ainda está a olhar para nós em tons de grande clareza.

Os Jane's Addiction são um tratado sobre heterodoxia interpretativa, originalidade e forte brilho. Não são Hard Rock, não são Rock, não são Funk, Folk ou algo parecido, mas transparece toda essa essência estética. Foram um manifesto obstinado contra o tédio criativo, e uma ode corajosa aos que arriscaram novos caminhos por se sentirem alienados pelo consumo passivo e sensaborão da música que grassava nos anos 80, 90 e 2000.

 Os Jane’s Addiction têm uma discografia relativamente curta para a banda que maior influência exerceu no cenário do rock alternativo americano. No entanto, inventaram-no, e anteciparam com a sua música e o seu estilo de vida todas as revoluções culturais na música dos anos 80 e 90.  Tivemos de aprender com eles quem era Baudelaire, como se chamava o melhor vinho de Itália e em que país da Europa existia o mais boémio de todos os bairros.
                                                            

                                                            


                                                      
Vamos por isso ter em mente que estamos a falar de uma revolução cultural que chega até aos nossos dias a partir de um círculo vicioso que estava a um passo de matar todos os estilos de música que pululavam no mainstream; de quando a industria discográfica mais não fazia do que produzir espantalhos em massa para atingir um público com quociente zero de cultura. O que quer que fosse que alimentasse os fossilizados artistas da pop e do rock, os Jane’s Addiction enviaram-nos para os lares de terceira idade, assim como os punks fizeram aos seus antecessores na década de 70.

Isso significa que eles são os padrinhos de todas as correntes que viriam a mudar a indústria discográfica de cima a baixo a partir dos anos oitenta. E a sua relevância na história do Rock será sempre mencionada por qualquer monografia quando se fala em experimentação, e nem poderíamos estar a falar na angústia existencial da Geração X e do proto-Grunge.

Perry Farrell usou esta angústia existencial, esta ideia de negatividade permanente, como um sinal de identidade, e muitas das estrelas da época sofreram as consequências… Quando Perry Farrell e Dave Navarro (que viria a transitar para os Red Hot Chili Peppers) subiram nus para um palco, indicaram a porta dos fundos como saída para o mundo do entretenimento.

O nome da banda é uma homenagem à colega de casa de Farrell, cuja dependência em heroína provou ser uma fonte distorcida de inspiração, ao mesmo tempo que fornecia a quantidade perfeita de uma certa mística e ambiguidade. Decerto que o foco narcotizado, por assim dizer, fazia sentido num mundo niilista e alienado.

Been Caught Stealing, Jane Says, Just Because, entre muitas outras, tornaram-se lendas, são surpreendentemente bonitas e têm todo o charme dos Jane’s Adiction.

                                                        

Provavelmente não inventaram realmente nada. Mas para usar um termo Charles Baudelaire, eles foram tão “malditamente” bons, que se exigia uma nova categorização pelo que fizeram. E foi assim que o Rock alternativo nasceu.




Comentários

  1. Completamente adita a esta lição (& completely addicted to your writing,& to our love)

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