O Fôlego
Continuação da lista dos meus pianistas preferidos.
“Para mim, tal como
o Wertheimer, a frequência do Curso do Horowitz foi fatal, para o Glenn,
todavia, foi o germe do seu génio.”
Lê-se, em “O Náufrago”, Thomas Bernhard, p. 17, trad. de Leopoldina de Almeida (a partir da língua alemã), Relógio d’Água Editores.
Não queria falar propriamente de o “fôlego” que é necessário para mergulhar n’O Náufrago, do escritor austríaco, considerado um dos mais importantes germanófonos da segunda metade do século XX.
Se os três parágrafos iniciais são breves e podem ser lidos
de um só fôlego; já o quarto, estende-se até o fim da história, é longo e
requer capacidade respiratória redobrada, quer dizer, atenção redobrada, pois
exige habilidade de quem o lê para vencer a intensidade da narrativa sem perder o fôlego.
É exactamente de fôlego que se trata. Do fôlego que Horowitz imprimiu a um dos mais polémicos e geniais pianistas, como se pode ler em epígrafe. Mas se existisse alguma dúvida, bastaria acrescentar que Valdimir Horowitz foi “o” rival do polaco Arthur Rubinstein. A quem este último se referiu nestes termos: “ele era melhor pianista, eu era melhor músico”. Outras figuras, não particularmente menores, também afirmaram que ele foi o melhor que podia ter acontecido ao piano.
Nascido na Ucrânia, em 1904, Horowitz veio ao mundo e à música num país que não possuía uma herança musical comparável à dos países do centro da Europa. Só mais tarde é que a escola nacionalista russa beneficiou de uma vontade muito própria de rapidamente assumir um lugar de destaque, aproveitando o melhor que o ocidente já tinha produzido.
E claro, Horowitz inscreve-se nessa escola nacional russa assente no amor pelo piano. De acordo com a opinião que temos de Horowitz podemos admirar ou condenar as “pequenas peças” de virtuosismo que ele tocava com charme, na sua maneira finíssima de dandy. Ou podemos encolher os ombros, considerando que ele desperdiçou o seu talento a trabalhar em peças sem importância.
Por mim, sem ele, nunca compreenderia a música que ele tocava de uma forma superlativa, contra a corrente estética anterior à sua geração: o Romantismo. Do qual Stravinsky dizia que era um “oceano de belo pianíssimo” mas “musicalmente uma nulidade”. Que diria então do período Clássico ou do Barroco?
Foi através de Horowitz que cheguei a Alexander Scriabine; Modeste Mussorgsky ou a John Philip Sousa. Já para não falar das suas interpretações de Bizet ou Camille Saint-Saëns. Devo-lhe isso.
Fica aqui “Quadros de uma Exposição”, de Mussorgsky, justamente porque o compositor alimentava o desejo de incorporar na música a essência da civilização russa. Por isso, “leitor meu irmão”, se leste Tchékhov, Dostoiévski; Tolstói, Gogol; Gorki ou Soljenítsin , só para mencionar os que li, não quero reclamar uma erudição que não tenho, ouve a música que corresponde à alma da civilização russa, independentemente de se gostar ou não. Não é para isso que a arte, ou a música, serve.
Como diria Mussorgsky, o universo dos sons não tem limites, é o cérebro humano que é limitado. As figuras deste quadro abarcam a larga fisionomia humana, a que não escapa o grotesco. Mas também delicadas figuras ou mesmo a inocência das crianças. Podeis recuperar o “fôlego” entre cada quadro com as melodias sonhadoras que introduzem o quadro seguinte.
Não fugindo à moda digital, fica um périplo por Quadros de Exposição, sem sair de casa. Lembrai-vos pois dos ambientes e dos dramas vividos aquando lestes Maksim Gorki; Anton Tchékhov; Nicolai Gogol; Fiódor Dostoiévski; Lev Tolstoi e Alexander Soljenítsin.
Comentários
Enviar um comentário