A Reprodução Proibida


                                                    
A Reprodução Proibida, René Magritte, 1937.

“Eu é um outro”, escreveu Rimbaud numa das suas mais célebres frases. A proposição pode ser interpretada no sentido (duplo) Heideggeriano. Quer dizer, num primeiro tempo, a linguagem surge-nos enquanto sistema ou natureza autónoma que interpela o homem; num segundo, como perda da autenticidade (ou decadência) em que passamos a um “nós” totalitário como característica da sociedade de massas.

Porém, Magritte ao proibir a auto reprodução, proclama que não há existência de um “eu” que não se subtraia a um “tu”, para tal, questiona os limites da reprodução nesta era do vazio, mostrando um homem em frente a um espelho, onde o reflexo não é a imagem do seu rosto, mas das suas costas: “o eu é detestável”, afirmaria igualmente Rimbaud. Em “Reprodução Proibida”, Magritte nega a egolatria da autossatisfação do espelho e da vaidade, que é, no fundo, a suspensão do primado do olhar do outro, traço característico do individualismo como sistema de valores que instala o individuo como fundamento último da ordem social e política.

Com efeito, com a modernidade ficaram consagrados os princípios da liberdade individual e da igualdade de todos perante a lei, logo, o individuo apresenta-se como referencial último da ordem democrática – “contra a justiça armei-me”, diz ainda Rimbaud pleno de ironia. Se pela primeira vez na história, as regras da vida social, a lei e o saber, deixaram de ser recebidos do exterior, isto é, da religião ou da tradição, devendo antes ser construídos pelos seres humanos, já os únicos autores legítimos no seu modo de ser em conjunto, o humanismo,  foram causa e consequência de toda a bestialidade humana – PROIBA-SE A REPRODUÇÃO.

Com o surto da “auto-rreprodução” narcísica concomitante com a revolução digital das sociedades pós-modernas, dá-se igualmente a revolução interior, o movimento da auto-consciência, num deslumbramento sem precedentes pela auto-imagem, auto-conhecimento, auto-rrealização,etc., facto comprovado pela proliferação até à náusea pelo mundo mediado por imagens.

Tudo sucumbiu aos encantos da hipnótica self-examination, não há perigo se o desenvolvimento económico esgotar, o desenvolvimento do eu há-de substituí-lo; no instante em que a informação se substitui à produção, o consumo da consciência de si torna-se na nova bulimia, à inflação económica responder-se-á com a inflação do eu e o surto narcísico há-de conceber-se por medida. O eu torna-se um espelho vazio à força de excesso das autorreproduções, como se demonstra através das redes sociais.

Se no mundo real, os espelhos reproduzem uma imagem perfeita do que é posto à nossa frente, na “Reprodução Proibida", essa verdade é subvertida, desobedecendo à auto-ilusão. Na obra de arte, as coisas não acontecem como na realidade mas como essência geral da realidade e com isso, ela abre-nos uma perspetiva sobre o nosso mundo, vazio e zombie.

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