Da vivência do tempo

 

A lista de discos “filhos da pandemia” é longa e parece interminável, a semana passada fui surpreendido com a mais recente inscrição, a dos Tindersticks, com “Distractions” (passado pouco mais dum ano após “No Treasure But Hope”, o melhor disco de 2019). Os Tindersticks distinguem com precisão o frequente do raro, o usual do não usual.  Com efeito, a confiabilidade absoluta tem sido comprovada ao longo dos anos e são daquelas bandas em que é difícil encontrar no seu currículo uma pequena mancha que seja, depois de fazer da elegância, da profundidade e do bom gosto as suas coordenadas.

                                                           


 

“Distractions” é um álbum versátil, cuidado nos detalhes, atemporal em face das modas efémeras. Mas não deixa de ser enigmático, a canção “Man Alone (Can't Stop The Fadin '”), colheu de surpresa os fãs. Se observarmos a caixa de comentários ao vídeo damo-nos conta dessa estranheza: alguns comparam-no a “Kid A” dos Radiohead ou “Push the sky way”, de Nick Cave.  O vídeo que formalmente já é um impacto em si, isto é, são onze longos minutos ao som de um baixo hipnótico conduzindo-nos através da solidão da noite londrina. Só os próximos anos dirão se é um álbum de transição ou um produto do nosso tempo.

 É um trabalho suficientemente actualizado para evitar a estagnação, enquanto exibe respeito pela direcção que originalmente esculpiu a personalidade da banda. O disco apresenta apenas sete canções, incluindo três covers, mas cada uma destas peças é rica em texturas e ambiente e podia ser um hit. 

                                                              



 

Talvez como uma declaração de angústia existencial, o álbum abre com a já citada “Man Alone (Can't Stop The Fadin ')”, a mais surpreendente de todas as canções,  que se inicia com uma batida electrónica, a que se vem juntar um baixo e um coro de vozes e um loop que nos deixa hipnotizados, antes de dar lugar ao extremamente delicado e devastador “I Imagine You”.  A secção central está guardada para a apropriação de composições alheias, como “A Man Needs A Maid” de Neil Young, levada para um terreno leve, mas encantadoramente reflexiva, segue-se depois uma releitura aveludada e bela de “Lady With The Braid” de Dory Previn e um animado “You Have To Scream Louder” dos Television Personalities. Aparece, então a belíssima “Tue-moi”, inspirada nos ataques a Paris e Manchester, cantada integralmente em francês, com Staples a ter como única companhia o som de um piano, pouco antes da bucólica “The Bough Bends” fechar o disco como um epílogo espiritual.

Um luxo de emoções estéticas. Muito bom.

 

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