Literatura: a recusa da psicologia, do realismo, do enredo.

                                                             



 

«O que interessa é o fundamental: a linguagem, o ser-no-mundo, o social, no sentido mais profundo, mas nunca o jogo verbal da psicologia. A recusa da psicologia origina o desejo de atingir as nossas verdadeiras forças profundas, seja pelo imaginário ou pela brutalidade real. […]

 

É por esta razão que se recusa as comodidades do enredo. Já não se utiliza o enredo no sentido da pequena história, bem construída, com desenvolvimento, um meio e um fim. E não se faz porque se pensa que isso seria divertir, desviar a atenção do que é essencial. O enredo tinha por fim agradar. Não se quer o agrado, mas sim o assunto, isto é, um conjunto que se desenvolve, e não receitas que permitem construir uma anedota no interior de uma história.

 

Não se renuncia totalmente à construção, mas, antes, construir rigorosamente um assunto; essa construção incide, essencialmente, na temporalidade, que constitui a matéria literária. O seu objectivo não consiste na exposição de uma historieta, mas na construção de um objectivo temporal, no qual, o tempo, pelas suas contradições, pelas suas estruturações, ponha realmente em relevo, de uma forma poderosa, o que constitui o assunto. Finalmente, recusa-se o realismo. Primeiro, porque é uma filosofia que parece burguesa e, depois, porque transporta a ideia de que a realidade é realista. Na verdade, a realidade é realista ao nível da conversa; dito de outro modo, estamos adaptados ao real quando falamos de coisas insignificantes.

 

Mas ao nível em que se quer colocar (seja cómico, trágico ou assustadores), que é o nível das forças subterrâneas, ou, se preferirem, o nível da aventura humana, os tempos essenciais da aventura humana já não são realistas, porque já não os podemos atingir realmente. Não podemos entender uma morte, somos incapazes de pensar a morte, mesmo que estejamos, por outro lado, perfeitamente convencidos, como eu estou, que se trata de um processo de ordem puramente biológica; mesmo assim, a ausência brusca, o diálogo interrompido, é uma coisa que não é realizável. Como consequência, quando se quer falar da vida não é realisticamente que o podemos fazer. E se queremos falar do nascimento, do nosso nascimento, coisa que nunca vivemos e que, contudo, nos fez o que somos, ainda aí o realismo nada significa, na medida em que não podemos realizar o nosso nascimento.

 

Estas três recusas do mundo demonstram que a nova literatura nada tem de absurdo, mas que, pela crítica, retoma o grande tema fundamental que é, na base, o homem como acontecimento, o homem como História no acontecimento.»

 

Jean-Paul Sartre, "O Escritor não é Político?" Trad. Guilherme Valente. Dom Quixote, 1970.

 

 

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