Inclassificável
Da série "The best piano players ever"
Samson François. Uma personalidade que parece extraída de um romance. Rebelde. Um artista que personificava a liberdade e possuía um lado de criança mal comportada. Boémio. Um estilo de vida que costumamos associar à vida dos artistas: dormia de dia, saía e trabalhava de noite.
Cada artista é uma figura solitária e nunca sabemos o que o faz mover. Samson François afirmava que o seu modo de ser tinha origem no facto de ele encarar cada espectáculo como uma aventura cujo desfecho desconhecia.Agrada-me especialmente esta pulsão para a aventura, para o desconhecido, a fruição dos prazeres pulsionais, paradoxais e, aplacar a tensão ao sublimá-los pela arte.
No estilo pessoal agradava-lhe o “chique radical”: usava camisa branca, fato cinzento brilhante, lenço no bolso do casaco, conduzia um automóvel descapotável, bebia whiskey, usava óculos de sol em pleno inverno, uma expressão desdenhosa no rosto e sempre com um cigarro na boca.
O toucher de Samson François era frágil e aventureiro. Destoava no meio dos outros artistas clássicos, mas era estimado pelo público bem como pelos seus pares. Numa ocasião, depois de ter tocado a Polaca “Heróica” de Chopin, o pianista Wilhem Kempff declarou atónito ao seu vizinho, o flautista Jean-Pierre Rampal: “não acredito que seja possível encontrar alguém no mundo que toque esta peça tão bem como François Samson.
No dia da morte de François Samson, em 22 de Outubro de 1970, o “Pop Clube” da France Inter, um dos programas de rádio de maior audiência da época, prestou uma inesperada homenagem ao pianista. A emissão de rádio anunciava: “Morreu Samson François. Muitos de vós não o conhecem. Mas era um grande artista…”Nesse dia, durante mais de uma hora, os ouvintes escutaram Chopin e Debussy, num programa normalmente dedicado ao rock’n rol e à musica pop. Que melhor homenagem se lhe podia prestar dedicando-a a um público jovem que não lhe era familiar?
Escutemos o Nocturno nº 1 de Chopin pelas mãos de François Samson. O que mais importa neste tipo de música é a expressão e a intensidade emocional. O termo “Nocturno” é tão vago e impreciso quanto o espírito que premia a obra. O conteúdo equipara-se a um continente onde tudo cabe: sonhador, melancólico e a ideia de música no seu termo preciso.
Samson François, foi um artista único, paradoxal, uma glória da cultura francesa. Divino nas interpretações dos seus espectáculos e nos seus discos. Um dos melhores pianistas de sempre.
Notas bibliográficas: “O Chic Inclassificável", Alain Lompech e Stéphane Friederich, tradução de Mariana Portas de Freitas, Levoir, 2010.
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