“Haverá alguma esperança fora desta manifestação que é o nosso mundo?”

 

                                                         


 

O Processo ensina-nos que tais procedimentos judiciais não costumam deixar aos acusados qualquer margem para a esperança – nem mesmo quando ainda lhes resta a esperança de serem absolvidos. Talvez seja esta ausência que faz aparecer neles, criaturas kafkianas por excelência, alguma réstia de beleza. Isto parece corresponder bem à ideia de um fragmento que nos foi transmitido por Max Brod. «Lembro-me», escreve ele, «de uma conversa com Kafka em que ele deduzia do estado actual da Europa a decadência da Humanidade. Dizia ele que “nós somos niilistas, pensamentos suicidas que sobem à cabeça de Deus”. Associei logo isto à visão gnóstica do mundo: Deus como demiurgo perverso, o mundo como seu pecado original. “Não, não” disse ele, “o nosso mundo é apenas o resultado do mau humor de Deus, de um dos seus maus dias” – “Então haverá alguma esperança fora desta manifestação que é o nosso mundo?” – Ele sorriu: “Ah, sim, esperança há muita, a perder de vista – mas não para nós”». 

Walter Benjamin in Ensaios sobre Literatura, edição e tradução de João Barrento, Assírio & Alvim, 2016.

… e ainda a humanidade deposita as esperanças na ida para Marte!  Para fazer o quê? Não encontraremos lá outro espelho que não seja o reflexo da nossa face.

 

 

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