Bons tempos, para variar                




 Ardemos variamente em variadas flamas. E vivemos intensamente o contraditório do fogo delas: “Bons tempos, para variar./ Vê, a sorte que tive / a de poder fazer um homem bom tornar-se mau". Os Smiths intelectualizaram o amor, adensando-o, povoando-o de solidão e de sofrimentos, fazendo aqueles versos que exprimiam o que nunca ninguém antes deles soube exprimir tão dramaticamente: “E tão fácil rir/é tão fácil odiar/ mas é preciso ter coragem para ser gentil e carinhoso” (I Know It´s Over). Souberam dar forma e consistência às sombras, movidos por uma íntima luz dramática, projectando-as numa melancolia de elaborações compensatórias: “Então pela primeira vez na minha vida/ deixa-me conseguir o que quero/Deus sabe, seria a primeira vez". A canção consegue transfigurar os aspectos mais esquinados da realidade com um deslumbramento melódico, sem iludir a dimensão dramática dessa realidade. E ao lermos este verso, ele representa-nos esse duro real que se deixa entrever numa liturgia bárbara de sucessivos fracassos. "Por favor, por favor, por favor" - é a valsa dos Smiths que traduz o sentimento de tudo; da instabilidade, da fugacidade das relações humanas, das forças que se agitam, das que se desafiam e entrechocam - para transfigurá-la no timbre mais puro do idioma smithiano. Uma letra para ser rescrita ao longo da vida. O real, para variar, não cheira a madressilva.



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