Há, a cultura! (da omnipotência à impotência)
A arte leve é a má consciência social da arte séria. A pior maneira desta antítese é reconciliar e absorver a arte leve na arte séria ou vice-versa.
Mas é isto que faz a indústria cultural. A excentricidade do circo, do museu de cera relativamente à sociedade é tão penosa para ela como a de Schonberg e Karl Kraus. O que é significativo não é a incultura, a burrice e a impolidez nua e crua. O refugo de outrora foi eliminado pela indústria cultural graças à sua própria perfeição, graças à proibição e à domesticação do diletantismo. O que é novo é que os elementos irreconciliáveis da cultura, da arte e da distração se reduzem mediante a sua subordinação ao fim de uma única forma falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição. O facto de que as inovações características não passem de aperfeiçoamentos da produção em massa não é exterior ao sistema. […]
A indústria cultural é a indústria da diversão. O seu controlo sobre os consumidores é mediado pela diversão. […] A sua ideologia é o negócio. A verdade em tudo isto é que o poder da indústria cultural provém de produzir necessidades. A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio.
Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho repetitivo, para se por de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, o trabalho repetitivo atingiu um tal poderio sobre a pessoa no seu lazer e sobre a sua felicidade, que determina tão profundamente a produção das mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho. O pretenso conteúdo não passa de uma fachada desbotada; o que fica gravado é a sequência automatizada de operações padronizadas. Ao processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio. Eis aí a doença incurável de toda a diversão.
Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, Dialéctica do Esclarecimento – Fragmentos Filosóficos, pp 112,113, trad. Guido Antonio de Almeida. Zahar Edições, 2006.
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