É proibido apontar
"[...] Era eu pequeno, para reprimirem em mim uma espontânea e justiceira tendência acusadora, o desejo de inquirir sem reservas, apontando, ensinaram-me que em certa igreja, ao erguer o dedo para um santo em seu nicho, ficara um homem com a mão sacrílega cortada resvés. Apontar é pecado, é tabu!
Até que ponto terá esta proibição geral destruído em mim as
curiosidades naturais, o desejo de saber de fonte directa, e de acusar sem
rebuço, forçando-me a uma atitude hipócrita de indiferença? Os meus dedos
ficaram para sempre anquilosados, perderam a agilidade necessária para
trespassar indiscretamente as pessoas e os factos que a minha consciência
interroga ou condena. E no entanto, o homem que aponta assume a
responsabilidade do seu gesto: porque há sempre na sombra da noite que nos
envolve um cutelo pronto a cortar, como ao outro no templo, a mão que se ergue
a inquirir, a acusar, a denunciar. [...]"
José Rodrigues Miguéis, É Proibido Apontar, p 46 ( Seara Nova, 1928), Editorial Estúdios Cor, 1974.
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