Bula literária IV

 

                                                          


Este pequeno livro apresenta uma teoria da poesia através de uma descrição da influência poética, ou de uma história de relações intrapoéticas. O objectivo desta nossa teoria é correctivo: acabar com a idealização das explicações aceites acerca do modo de como um poeta ajuda a formar outro. Um outro objectivo, também correctivo, é o de tentar fornecer uma poética que favoreça uma crítica mais adequada.

Considera-se que a história poética, no argumento deste livro, é indiscernível da influência poética, visto que os poetas fortes fazem a história lendo-se mal uns aos outros, de modo a desobstruir um espaço de imaginação para si próprios.

O meu cuidado é apenas com poetas fortes, figuras maiores com a persistência para lutar, se necessário for até à morte, com os seus precursores igualmente fortes. Os talentos mais fracos idealizam; as figuras de imaginação capaz apropriam para si próprias. Mas nada se consegue de graça, e a auto-apropriação implica as imensas angústias da dívida, visto que nenhum fazedor forte deseja a realização que não conseguiu por si criar.

 

Oscar Wilde, que sabia que tinha falhado como poeta porque não tinha a força necessária para ultrapassar a sua angústia da influência, conhecia também as mais sombrias verdades a respeito da influência. […] Wild observa azedamente em O Retrato do Sr. W. H. que «a influência é simplesmente uma transferência de personalidade, um modo de desbaratar aquilo que é mais precioso aos nossos eus, e o seu exercício produz um sentido e mesmo uma realidade de perda. Todos os discípulos retiram qualquer coisa dos seus mestres». Esta é a angústia do influenciar e no entanto nenhuma inversão é nesta área uma verdadeira inversão.

 

Dois anos mais tarde Wilde refinou este azedume numa das elegantes observações de Lord Henry Worton, em O Retrato de Dorian Gray, quando diz a Dorian que toda a influência é imoral:

 

Porque influenciar uma pessoa é dar-lhe a nossa própria alma. Não pensa essa pessoa os seus pensamentos naturais, ou arde nas suas paixões naturais. As suas virtudes não são para si reais. Os seus pecados, se existe uma tal coisa, são emprestados. Torna-se um eco de uma música alheia, um actor de um papel que não foi escrito por ele. […] pp. 17, 18.

 

Harold Bloom, “A angústia da Influência (uma teoria da poesia)”, trad. de Miguel Tamen. Edições Cotovia, 1991.

 

 


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