Bula literária III


                                                       

«...será possível pensar e pôr em prática a democracia, o que guardaria ainda o velho nome de democracia, dela desenraizando o que todas estas figuras da amizade (filosófica e religiosa) nela prescrevem de fraternidade, a saber, de família ou de etnia androcentrada? Será possível, assumindo uma certa memória fiel da razão democrática e da razão "tout court", eu diria mesmo das luzes de um certo pensamento próprio (Aufklarung) (deixando assim aberto o abismo que se abre hoje com estas palavras), não fundar, ali onde não se trata sem dúvida mais de fundar, mas de abrir ao porvir, ou antes ao "vem" de uma certa democracia? Porque a democracia resta porvir, tal é a sua essência na medida em que ela resta: não apenas ela restará indefinidamente perfectível, logo sempre insuficiente e futura mas, pertencendo ao tempo da promessa, restará sempre, em cada um dos seus tempos futuros, porvir [...] Será possível abrir ao "vem" de uma certa democracia que não seja mais um insulto à amizade que tentámos pensar para além do esquema homo-fraternal e falologocêntrico? Quando estaremos nós próprios para uma experiência da liberdade e da igualdade que faça a prova respeitosa desta amizade, e que seja finalmente justa, justa para além do direito, quer dizer, à medida da sua desmesura?

 

Ó meus amigos democratas...»

 

Derrida, J, “Políticas da Amizade”, Edição Campo de Letras, pp.308,309.

 

 

«Desde então, até mesmo os ausentes estão presentes[...] e, o que é ainda mais difícil de dizer, os mortos vivem...»

 - Cícero, Marco Túlio. Diálogo sobre a amizade (Laelius de amicitia).

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