Bula literária II
Não se deveria esperar que nenhum escritor de um país livre
se preocupasse com a demarcação exacta entre o sensório e o sensual; é ridículo.
(…) Suponho que existem leitores que consideram titilante a proliferação de
palavrões naqueles romances desesperadamente enormes e banais, dactilografados
pelos dedos desajeitados de tensas mediocridades e a que os mercenários da
crítica classificam de «vigorosos e crus». Há boas almas capazes de considerar Lolita
inútil porque não lhes ensina nada. Não sou leitor nem escritor de ficção didáctica,
Lolita não leva a reboque moral nenhuma. Quanto a mim, uma obra de ficção só
existe se me consegue proporcionar aquilo a que chamo sem rodeios o gozo
estético, isto é, uma sensação de estar, de certo modo e algures, ligado a
outros estados de ser em que a arte (curiosidade, ternura, generosidade,
êxtase) é norma. Não há muitos livros assim.
Vladimir Nabokov in, Lolita, pp. 357, 358, trad. Fernanda Pinto Rodrigues. Editorial Teorema.
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