Branco no Branco
Devo a paternidade do título sobre o post dedicado a Nick Cave e a Warren Ellis, a Eugénio de Andrade - e que, por sua vez, o deve ao grande poeta japonês Matsuo Bashō (na tradução de Octávio Paz). De um título que esteja entre aspas entende-se que pertença a outro autor. Restava saber qual. Julgo que para a maioria dos leitores de poesia facilmente o indicariam. Mas se há algum reparo a fazer, não se deve a um título, mas ao seu autor.
Na verdade, Branco no Branco e Contra a Obscuridade, são dois longos poemas escritos em alturas diferentes, em que a Assírio & Alvim decidiu juntar na mesma edição. Dizia que, se reparo há a fazer, é sobre Eugénio de Andrade. Ler a sua poesia é entrar na luminosidade da linguagem, nos momentos mais altos da poesia portuguesa, plena de beleza, em que cada palavra soa a nova. “Simultaneamente leve e densa”, escreve Carlos Cortez, “transparente e sombria, fremente de um desejo que parece eternizar-se.”
No universo de linguagem que vamos entrar sugere-se algumas defesas contra as palavras, não vá dar-se o caso de ficarmos irremediavelmente presos ao leito deste encontro nupcial.
Encostas a face à melancolia e nem sequer
ouves o rouxinol. Ou é a cotovia?
Suportas mal o ar, dividido
entre a fidelidade que deves
à terra de tua mãe e ao quase branco
azul onde a ave se perde.
A música, chamemos-lhe assim,
foi sempre a tua ferida, mas também
foi sobre as dunas a exaltação.
Não ouças o rouxinol. Ou a cotovia.
É dentro de ti
que toda a música é ave.
in Branco no Branco | prefácio de António Cortez, Assírio & Alvim | 2015
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