«Branco no branco contra a obscuridade»
Em geral, quando hesito na linguagem isso exprime uma
paixão que me atormenta por gostar de uma obra de arte de forma obsessiva. O que
gera o receio das próprias palavras para falar dela. Não se trata de encontrar a
palavra adequada, nem de definir em elegante latim o seu real valor. E dentro da teoria da literatura, não
vale o esforço de procurar o que existe de denotação e conotação. Não
procuro tão-pouco uma linguagem da comunicação ou a expressão do seu significado, mas o lado da criação-apropriação.
Assim compreendida a linguagem, isto é, a interpretação; para mim, estaria no centro de uma concepção freudiana do recalcamento e do inconsciente: a palavra da cura. E aí deve ser mantida como salvação para o sarro dos dias, onde os seus significados são desenvolvidos como um jogo, sem pretensões técnicas, remetidos unicamente para a minha interioridade, onde o que menos importa é o sentido explicito, mas o menos explicito, latente, cujo significado é uma espécie de terapia de quem sonha e sofre.
Sonho e sofrimento é o que encontro em grande parte da obra de Nick Cave e, mais uma vez, em Carnage (carnificina), o último álbum feito em parceria com Warren Ellis, o membro mais importante dos Bad Seedes, que Cave já veio descrever como “meditações sobre a vida a acontecer na morte” (in Público 25/02/21).
…é a noção de vida a acontecer na música, no sentido profundo, na medida em que tais afinidades sublimam na expressão pessoal de Cave, sempre na procura da beleza.
Carnage é o seu mais refinado álbum. Recheado de letras existencialistas e orquestrações soberbas, esse mesmo refinamento pode ser percebido em canções como Albuquerque, uma balada clássica, nostálgica e espiritual para piano e coros.
“This morning crawls towards us, darling / With a memory in
its paws / A child swims between two boats / Her mother waving from the shore,
darling / And we won’t get to Amsterdam / Or that lake in Africa, darling / And
we won’t get to anywhere / Anytime this year, darling. “
Uma canção infinitamente terna. Terna e dissolve-me todos os meus núcleos de actividade nessa ternura.
Meu Zeus.
Um dos momentos altos da música contemporânea.
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