Ainda o colapso da razão
«Hoje a ideia de maioria, privada dos seus fundamentos racionais, assumiu um aspecto completamente irracional. Toda a ideia filosófica, ética e política - tendo sido cortado o cordão umbilical que ligava essas ideias às suas origens históricas - tende a tornar-se o núcleo de uma nova mitologia, e esta é uma das razões pela qual o avanço do iluminismo tende a reverter, até certo ponto, para a superstição e a paranóia. O princípio da maioria, na forma de veredictos populares sobre todo e qualquer assunto, implementado por toda a espécie de escrutínios e modernas formas de comunicação, tornou-se a força soberana à qual o pensamento tem de prover. É um novo deus, não no sentido em que os arautos das grandes revoluções o conceberam, isto é, como um poder de resistência à injustiça existente, mas como um poder de resistência a qualquer coisa que não se acomode. Quanto mais o julgamento do povo é manipulado por todo o tipo de interesses, mais a maioria é apresentada como árbitro na vida cultural. Presume-se que justifique os representantes da cultura em todos os seus domínios, até os produtos da arte e da literatura popular que enganam as massas. Quanto mais a propaganda científica faz da opinião pública um simples instrumento de forças obscuras, mais a opinião pública surge como um substituto da razão. Esse ilusório triunfo do progresso democrático consome a substância intelectual da qual tem vivido a democracia»
Max Horkheimer, O Eclipse da Razão, trad. de João Tiago Proença, Antígona, 2015.
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