A PORTA
Queria ficar como antes,
imóvel e serena como o mundo jamais está,
não em pleno Verão, mas antes dele, no instante
em que se forma a primeira flor, esse instante
em que nada é ainda passado –
não em pleno Verão, o intoxicante, inebriante,
mas no final da Primavera, com a erva ainda
mal crescida na orla do jardim, as primeiras tulipas
começando a abrir –
como criança que ronda uma porta, atenta aos outros,
aos que passam primeiro,
novelo tenso de braços e pernas, alerta
ao fracasso dos outros, às fraquezas públicas,
com essa feroz confiança infantil no poder iminente,
pronta a derrotar
estas fraquezas, a nada
sucumbir, no tempo mesmo
antes de florir, a época da mestria, do domínio
antes do surgimento do dom,
antes da possessão.
Glück L. in A Íris Selvagem, trad. Ana Luísa Amaral, Relógio D´Água Editores 2020
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