POEMA DE NATAL
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Vinícius de Moraes | Nova Antologia Poética |Companhia de Bolso | Brasil 2006
Em poesia só o excelente é bom. É por isso que Ezra Pound tem razão ao afirmar que é “melhor produzir uma Imagem na vida do que obras volumosas”. Considera-se justo, com razão, que Vinícius de Morais tenha publicado apenas algumas poucas páginas extraordinárias e seja considerado um grande poeta. Se foi rigoroso ou tolerante, criterioso ou permissivo para consigo mesmo, pouco importa; não publicou nada supérfluo. Vinícius pertence àquela categoria sub specie aeternitatis. Quer dizer, a história, independentemente dos interesses, ideologias, modas, simpatias ou antipatias, favorecerá o reconhecimento daqueles que merecem ser lidos e relidos com grande paixão. Não querendo estragar o mais belo poema de Natal que conheço, pelo contrário -; os corpos das palavras, os significantes e significados - revelam-se, a meu ver, actuais e apropriados, isto é, não é de crise sanitária, social, económica e laboral que deveríamos falar a propósito destes tempos covidianos, mas de mutação. Um mundo velho renasce, mas dele, por enquanto, só sabemos as dores do parto.
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