Um lindo enterro
Ao ler a
crónica de Luís J. Santos no Ípsilon de 18 Setembro 2020, deparei-me com uma versão de Nick Cave de um clássico dos T Rex. Um dos elementos mais
surpreendentes da sua versão de Cosmic Dancer, é o que -, entre a melancolia e a
matéria melódica e visual -, consegue arrancar de poético ao original.
Esta plasticidade explica-se pela sua
abordagem de pendor mais reflexivo, feita num registo mais grave e de finas texturas. E assim, a canção é elevada a uma dignidade e a uma rarefação metafísica,
o que não impede a fulcral irrupção da sarcástica interrogação: "Is it wrong to/ understand/The fear that
dwells inside a man?/What's it like to be a loon?"
Até na
descontada naturalidade de se ser assumidamente “lunático”, o poema é pleno de sentido ao concentrar-se num único
objectivo: o do trajecto da vida para a morte e de uma omnipresente
consciência dele. Isto é o que ganha contorno, peso e densidade.
Por isso, não
se julgue aqui esta personagem “lunática” como alguém que perdeu completamente
a capacidade de pensar ou falar coerentemente sobre o que quer que seja e que
levou a existência ao sabor da “dança”.
A “dança”,
remete-nos para um universo simbólico, entendo-a como o meio de reger “interiormente”
o mundo. Se o mundo da dança é o mundo da ilusão, como o das cores, pode ser
articulado com o mundo das coisas, das pessoas, dos fenómenos. Isto leva-nos a
crer que o que está do outro lada da “dança”,
como seu excesso ou o seu défice, é o mundo.
O
inquietante que há na lúcida versão de Nick Cave, contrariamente ao original, é
que a “dança” coabita com o
inelutável, em direcção ao “túmulo”…
como a dado momento se diz.
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