A SAGRADA ESCRITURA
Sobre a adaptação da Literatura ao cinema.
A literatura é um absoluto à escala humana. A cultura, inexoravelmente,
continua a depender dos livros, ainda que o mundo técnico em formato digital a
apresente sobre a forma de texto num ecrã. A união entre literatura e o cinema não
é recente, mas parte de um pecado original.
Tal pecado resulta do facto de que o estilo narrativo não pode ser
filmado.
Como efeito, decorrem várias impossibilidades em pegar nesse
objecto que está à nossa frente - fixo, estruturado: o texto, conjunto orgânico
de sinais, o preto no branco, mancha na página – e transpô-lo para uma tela.
Tome-se como exemplo o filme como simulação do real. O sentido
do que é comunicado encontra-se indissociavelmente ligado com o meio de
comunicação: gesto, voz, linguagem corporal etc. Tudo isto se torna evidente de
modo imediato, no entanto, não pode ser relatado da mesma forma.
Só através da literatura ganhamos um certo distanciamento de
nós próprios. Só no romance podemos testemunhar na nossa própria pele como é
sermos vítimas de exclusão social de discriminação, e estigma. Apesar de no
filme termos a possibilidade de assistir à personagem a ser perseguida nas mais
diversas situações, podemos até identificarmo-nos com o seu destino, mas apenas
a observamos do exterior. No romance, bem pelo contrário, sentimos os
maus-tratos, castigos, sevícias da mesma forma que a vítima. Isto significa tão-somente,
que vemos o mundo pelos seus próprios olhos. Razão pela qual, nunca uma obra
literária deve ser moralista, caso contrário, nunca compreenderíamos as
personagens, isto é, os outros. O objectivo do romance é mostrar aos leitores
como as personagens se explicam a si próprias.
Tomemos como
exemplo a fidelidade integral ao texto: O Livro do Desassossego. Na fala (diferente de língua),o que
importa não é a objectividade, mas o seu aspeto relacional e emocional, onde
nasce e desvanece o sentido. É aí que temos olhos: no aspecto relacional e
emocional da personagem. Mas a descrição desse aspecto emocional e relacional
sob a forma escrita está ausente. Somente a escrita fixa a linguagem, porque
estabelece o tema, isto é, o sentido.
Só a escrita
liberta a linguagem da situação concreta e torna-a independente face ao
contexto imediato. A transformação da linguagem falada em escrita torna
palpável a “categoria” do sentido. Em conclusão: é por isso que nas grandes
religiões – o sentido é comparado à escrita - A SAGRADA ESCRITURA.
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