O que pode a Arte?


                                                         
                                                


"Entretanto penso por vezes
 Que é melhor dormir do que estar assim sem companheiros,
Nem sei preservar assim, nem que fazer entretanto,
 Nem que dizer, pois para que servem poetas em tempo de indigência?”

Holderlin, Pão e Vinho, p.75 (Elegias). Trad. e prefácio de Maria Teresa Furtado, Assírio &Alvim. 1999.                                                              

                                                               
                       
                                                         
                                         

Dos vários livros que tenho assinados, “A Terceira Miséria”, da Hélia Correia, ocupa um lugar especial. Na apresentação do livro na biblioteca Afonso Lopes Vieira, partilhámos a mesma admiração pela cultura helénia, pelas as obras de Holderlin, Nietzsche e Lord Byron.  E cedo se percebe a importância destas influências na construção do poema - constituído por trinta e três breves estrofes em que a voz daqueles poetas ecoa numa espécie brilho na qual a autora de Adoecer colheu a claridade para iluminar os versos.
“Para quê, perguntou ele, para que servem / Os poetas em tempo de indigência?” (p. 7) Relógio D’Água, 2012.

Com esta dúvida, encontrada numa das mais belas elegias de Holderlin, O Pão e o Vinho, inicia Hélia Correria uma reflexão poética onde a inquietação sobre o lugar e a função da própria poesia está sempre presente. E conclui:

“De que armas disporemos, senão destas
Que estão dentro do corpo: o pensamento,
A ideia de pólis, resgatada
De um grande abuso, uma noção de casa
E de hospitalidade e de barulho
Atrás do qual vem o poema, atrás
Do qual virá a colecção dos feitos
E defeitos humanos, um início.” (p.39)

                                                       
                                                                                                


 Para Baudrillard, o momento em que vivemos é caracterizado por aquilo a que chama “pós-orgia”. O que significa a libertação de todas as amarras, sejam elas políticas, sexuais, de género, artísticas, etc. No entanto, se quiséssemos caracterizar a área cultural, teríamos de suprimir tudo o que estivesse fora da esfera comercial, absorvendo todas as formas de arte, alta e a baixa. Mas a arte transformou-se em mercadoria, num discurso, num conceito - numa marca. Por isso a cultura perdeu a autonomia. A humanidade está então num estado de desorientação, sem novos horizontes a seguir. Daí a questão crucial – o que pode a Arte?


A realidade só pode oferecer consolação quando é transformada. Existe arte demasiado próxima do real, a arte deve, de certa forma, sublimar o violento. Tem de comunicar essa sublimação. Sejam quais forem as normas do que entendemos por Arte, têm de ter por detrás um temperamento vivo, capaz de extremos, senão torna-se insípida. Tem de ter a capacidade de arrebatamento, de revolta, de impaciência talvez - e, ao mesmo tempo, uma grande ternura. Mas também, calor, promessa e esperança.


Nota:créditos fotográficos da Babe.

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