O que pode a Arte? III
“Aquele que
vem ao mundo para nada perturbar
não merece
nem consideração nem paciência.”
- René Char
Primeira lei da Dialéctica, segundo Hegel: “Para a dialéctica, nada há de definitivo,
de absoluto, de sagrado ante ela, ela mostra a caducidade de todas as coisas, e
nada existe para ela senão o processus interrompido do devir e do transitório”.
Se quiséssemos encontrar uma figura da linguagem que
correspondesse à ideia de dialética, seria a antítese: um método (diálogo) em
que a contraposição de ideias nos levariam a outras ideias. Quer dizer: que nos
levariam a pensar ou a emitir um juízo contrário às ideias que tínhamos
inicialmente. Por conseguinte, a verdade, a verdade autoritária, é esgotada
através da dialéctica.
Curiosamente, a Dialéctica, que tem sido um tema central na
filosofia ocidental desde os tempos antigos,
cuja tradução literal de dialéctica significa "caminho entre as ideias”, encontra a sua forma ideal na Arte,
mais concretamente - na Literatura: no romance - que se orgulha de a ter
inventado. Mas também, no cinema, no teatro, etc. Na dialéctica está implícita a
própria ideia de empatia, que é a vocação natural do romance ou do cinema.
Em 2012, em Aurora, Colorado, um indivíduo, matou 12 pessoas
e feriu 50 na estreia de “O Cavaleiro das
Trevas”. Atribuir este ódio identitário a uma personagem literária ou
cinematográfica, a uma civilização, a um povo, a uma religião, é contribuir
para propagar e criar muros de ódio identitário.
Ora, se no Joker, de Todd Philips, existe um tema fundamental
– é sobre a empatia. Ou a falta dela. Isto é, sobre a incapacidade de nos
colocarmos no lugar do outro.
O que pode a
Arte?
As personagens livres, independentes, que conhecemos nos
romances, ou nos filmes, exigem empatia. E uma empatia que se estende apenas a
personagens obedientes e simpáticas, não vale a pena.
A autêntica empatia é a opinião benévola sobre aqueles que
não a merecem. A empatia significa testarmo-nos a nós no outro. A empatia, é
pois, uma imagem forte da dialéctica, através da qual cada um dos lados
completa o outro e se desloca na direcção do outro.
E sabemos que a Arte é a verdadeira casa desta empatia
precisamente porque exige, por natureza, uma empatia que não estamos dispostos
a conceder, na vida real, a pessoas reais – pedófilos (Lolita); chatos (A Montanha
Mágica); assassinos ( Joker).
Como escreveu Luís Miguel Oliveira, ver os nossos fantasmas
expostos através da Arte, pode ser uma maneira de os manter à distância e sob
controlo.
Thomas Mann alegava que a ficção artística era uma passagem através do
erro. E, elogiava Nietzsche por ter escrito que “a necessidade de acreditar, a necessidade de qualquer espécie de sim
ou não absoluto, é uma prova de fraqueza.”
O que pode a
Arte afinal?
A Arte, pode ser o
lugar onde nos redimimos dos nossos erros e de nós mesmos. É um jogo que nos
enriquece.
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