É a vida!...



"É a vida, e por mais estranho que pareça
há pessoas que se divertem a dar pontapés nos sonhos dos outros
Mas eu não deixo, não deixo que isso me derrube
porque este velho e belo mundo continua a girar"
                                                       


Com toda a contaminação que comporta ver duas vezes o mesmo filme numa semana, diria que, até agora, Joker é o meridiano universal. É o casamento perfeito entre Joaquin Phoenix e o seu personagem, enquanto todos os outros papeis não passaram de casos.

É demasiado fácil dizer que Todd Philips romantizou o realismo. É óbvia a tentativa de transformar o género fantástico em realismo, conferindo ao Joker um rosto mais humano.

Esta consciência representa o choque entre o realismo e o género fantástico, entre o banal e o exótico, o delírio e o sonho, o real e a fantasia, da mesma forma que em épocas de perturbação socio-económica emergem regras sempre diferentes. Como na grande Literatura, Todd Philips fez um filme onde integram vários géneros para desempenhar todas as funções de uma só vez: a crítica, a reflexão, a sátira, o drama, a fábula. Joker é o símbolo que unifica num todo a dispersão da desordem avulsa da vida.

Talvez assim se possa explicar o título da canção num sentido cinematográfico próximo da realidade: “É a vida!”

                                                                                                         

Este cliché é frequentemente usado para expressar decepção e resignação, ou até frieza sarcástica diante da vida. Como todos os clichés, é uma frase indefensável diante os factos da vida, ou pior, não é para ser levado a sério, e talvez seja essa a razão pela qual o Joker canta esta canção no filme. “A minha vida é uma comédia”- afirmará.

Mas os clichés são letra morta, são palavras que nasceram luminosas e morreram por serem ditas tantas vezes, já que a morte de uma palavra é o esvaziamento do seu sentido. São frases que não mudam coisa alguma, são um imenso nada, de tanto ouvi-las, de modo automático, chegam antes de qualquer pensamento. Libertam-nos para não pensar. Não causarão qualquer reacção, nem boa nem má, e tanto faz dizer que “a vida imita a arte”, ou que “a esperança é a última a morrer”, que à custa da sua repetição, a vida, fechar-se-á num círculo.

Do mesmo modo que é mais fácil pôr no mundo a primeira frase-feita que nos venha à cabeça, também é mais fácil viver repetindo velhas formas de vida, ou segundo os clichés que não incomodam ninguém.

A edificante imbecilidade da frase-feita que dá o título à canção, paradoxalmente, exorta um sentido contrário à decepção e à resignação. É uma montra sobre o espírito de resiliência, os altos e baixos da vida, e a superação das dificuldades.

O seu valor está numa certa suspeita inserida pelo entusiasmo que os clichés motivacionais suscitam, e é em face disso que pode entender-se o que de desespero se insere na acção, inventando-lhe um maior vigor naquilo que É a vida!

E no final, é um Joker agrilhoado, ébrio de paixão por viver, que expressa o desejo de cantar e florir de novo. Das profundezas da sua própria voz, eleva-se a voz-Deus de Frank Sinatra, cujo canto de vitória sobre os encontrões da vida ressoa triunfante.

Um hino à vida
                                                                           

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