MUSEU DA VIDA ROMÂNTICA





Podes não atender o telemóvel,
e mesmo assim eu converso contigo;
não abrir a porta, e eu estou do outro lado.
Em virando o olhar da fotografia,
sabe que sou sombra e sou também luz,
esquina escura onde guardas a ficção
e alta escada diurna, sem esconderijo,
no caminho onde buscas o triunfo.

 Quando estiveres na cama, aquele corpo
de outro a teu lado será este corpo,
porque sou a alma e me hás-de procurar;
 e nem sou o chão nem sou as pedras, não,
não te percas, sou o côncavo do solo
onde a pedra assenta para tu passares.

Quanto mais tentares calar-me, mais cartas
minhas receberás; bilhetes curtos,
se não romances: vivo de papel.
A cada carícia que recusares,
a tua mão de gesso vai apertar
minha forma dorida. Convidaste-me
a entrar e a lei da hospitalidade
é o que agora nos vincula sonâmbulos.

Mas não te quero ofender, nem trazer
sofrimento ao peito onde pus a língua.
Quero só dizer-te que te inventei
porque me pediste; e agora não podes
matar-me – vincada ave, e amarela,
não pereço – e é vão tentares morrer.

Amândio Reis | SPINALONGA | Língua Morta 2019


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Reprodução Proibida

MORRER AO TEU LADO

A linguagem da transcendência