A MONTANHA MÁGICA VIII
LEO NAPHTA
A imagem é de uma fotografia de Walter Hahn da cidade de Dresden destruída.
Leo Naphta
é, talvez, o personagem mais controverso de toda a história da literatura. Se
Settembrini incorpora as tradições políticas europeias constitucionais,
democráticas, racionais e seculares; Naphta agrega todos os principais temas
comuns às ditaduras, a saber, o radicalismo nas suas vertentes, tanto fascistas
quanto comunistas. É apaixonadamente anti-burguês, anti-capitalista, hostil à
modernidade, à liberdade, à individualidade e ao progresso, e materializa as
tradições políticas autoritárias e religiosas. É um ex-judeu convertido ao
cristianismo e, o seu zelo religioso impede-o de ser um pacifista: "Maldito seja o homem que impede a sua
espada de derramar o sangue!" Pág. 452.
Naphta é um
erudito, uma contradição viva e um espirito encarnado da contra-reforma e do
anti-cientificismo. É um "revolucionário
conservador", nas palavras de Castorp.
A
característica mais imediata e assombrosa das discussões entre Settembrini e
Naptha, é a sua actualidade religiosa, em que “o próprio Deus dotou o homem de instinto natural que induz os povos a
separarem-se uns dos outros (...). A guerra…” pág. 431.
O romance
espelha já uma ante-visão de uma nova táctica, na qual os civis se tornariam os
alvos dos exércitos.
Na luta
cósmica entre o bem e o mal, Thomas Mann apresenta uma alegoria sobre o
conflito incessante entre as duas ideologias políticas que moldaram a Europa: o
comunismo e o capitalismo. A verdade é que
A Montanha Mágica corresponde na perfeição à tese de Friedrich von Schlegel,
de que “os romances são os diálogos
socráticos de nosso tempo". Sob a forma de literatura, as ideias
políticas que eram difundidas naquela altura, Thomas Mann, materializa-as numa
dialéctica em que as disputas dos personagens – Settembrini e Naphta – acabaram
por levar o mundo à divisão em dois blocos rivais: democracia e o
totalitarismo, a liberdade e a igualdade.
Muitos dos
argumentos de Naptha são relativistas, afirmando que “a verdade é aquilo que serve aos interesses do homem” pág. 525.
Para Naphta,
“o signo da cruz” é “o terror é a salvação é a sua missão, em
prol da salvação do mundo, em prol da redenção do homem e da sua filiação com
Deus, sem Estado e sem classes sociais” Pág. 454.
Com o
deflagrar da Primeira Guerra Mundial, A
Montanha Mágica inicia a sua própria dança de morte. A catarse da contenda
dos argumentos antitéticos entre Settembrini e Naphta, leva-os a um duelo de
pistola: Settembrini atira para o ar, e Naphta cheio de raiva mata-se com um
tiro na cabeça.
“- Comecemos! – ordenou Naphta. –
Avance e atire, meu senhor! – gritou ao adversário.
(…)
- Settembrini ergueu a pistola para o
ar e apertou o gatilho.
(…)
- O senhor disparou para o ar – disse
Naphta, mantendo o sangue-frio, enquanto baixava a arma. Settembrini respondeu
- Disparo para onde muito bem me
apetecer.
- Dispare outra vez.
- Não penso fazê-lo. É a sua vez.
(…)
- Cobarde! – gritou Naphta, como se
aquele brado fosse a declaração perante a humanidade de que era preciso mais
coragem para apertar um gatilho do que para servir de alvo.” Pág. 804.
Este duelo é
uma metáfora: Settembrini, o humanista, relutante, desiste diante de uma situação
de barbárie, enquanto o niilista, que já não vê qualquer sentido na vida,
suicida-se.
Apesar de
não podermos reduzir esta cena a uma ideologia, verificamos o abismo que separa
Settembrini de Naphta, são diferentes, tanto nos seus pressupostos quanto no
valor da vida humana.
Num dado
momento do romance, o implacável Naphta chega a um ponto capital quando
verbaliza uma profecia que haveria de triunfar e dominar na Alemanha uma década
após a publicação de A Montanha Mágica:
«O segredo e o mandamento dos nossos
tempos não consistem na libertação e no desenvolvimento do Eu. O que a nossa
época necessita e reclama, e o que acabará por gerar, chama-se terror...» pág.
450.
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