A MONTANHA MÁGICA Revisited V
O TEMPO
A imagem, é um pormenor de uma pintura de Peter Paul Rubens - "Cronos" o Deus do Tempo a devorar um dos seus filhos (1636).
No princípio
era Úrano, o céu estrelado, e Gaia, a Terra. No que diz respeito à construção
do Cosmos, a castração de Úrano por parte do seu filho Cronos a pedido de Gaia,
a sua mãe, possui uma consequência absolutamente crucial: o nascimento do
Espaço e do Tempo.
Do “Espaço”,
porque Úrano sob o efeito de uma dor atroz por causa da mutilação foge para
o alto, e fica por assim dizer, colado ao tecto, libertando dessa forma o
espaço que separa o céu da Terra; e do “Tempo”, por uma razão filosófica mais
profunda: graças ao Espaço assim libertado, os filhos – os Titãs – vão poder
sair da Terra, de Gaia, a sua mãe. O que significa que é o Futuro, até então
comprimido pela pressão de Úrano sobre Gaia, que se abre (através dos filhos). A partir daqui as
gerações futuras vão habitar o presente.
Esta
história que encarnam nos Titãs que podem sair da Terra - são o movimento, o
desequilíbrio – e, por isso, a possibilidade da desordem. Com as novas
gerações, é a "dinâmica" mais do que a estabilidade, o "caótico" mais do que a "ordem", que entram em cena.
Facilmente percebemos a razão da antropofagia do Cronos, ele, mais do que ninguém, tem um
sério interesse em desconfiar dos filhos: foi ele quem mutilou o pai, Úrano.
Com efeito, compreendeu a que ponto os seus próprios filhos podiam constituir
uma ameaça à ordem, ao poder instalado, ou àquele que o detém. O que equivale a
dizer: que é preciso desconfiar do Tempo, factor de vida, sem dúvida, mas
também dimensão de todas as desordens e desequilíbrios futuros.
A Montanha
Mágica é um tratado filosoficamente vivido da experiência do Tempo. É “o”
romance do Tempo num duplo sentido: histórico, enquanto quadro interior de uma "época", e do Tempo puro em si-mesmo: o
curso do tempo, a sua relatividade a sua transitoriedade, ou, pelo contrário, a sua circularidade.
O que é o
tempo, com quais dos cinco sentidos se apreende o tempo, interroga-se Hans
Castorp.
Castorp vem a descobrir que o Tempo não existe. O Tempo passado não existe a não ser na memória dos entes com
memória. De uma coisa que só existe na memória não se pode, verdadeiramente,
dizer que exista. O passado nunca existiu, porque ele é a emoção do nosso
imaginário que o evoca. Como refere Settembrini, as quadras, as datas e as
etapas devem ser celebradas e assinaladas à medida que se vão desenrolando,
para que não vivamos numa massa indistinta e desorganizada de Tempo. É nesse
esforço que consiste grande parte da existência humana, preservar, estruturar e
refazer o passado: pessoal e colectivo. O homem vive só o presente, mas este
presente não é o do animal. Só o homem tem a sabedoria deste presente, do que o
limita e condiciona, isto é: do seu passado e do seu futuro.
A noção de
tempo é não só uma construção psicológica, portanto individual, como social,
pois movemo-nos segundo normas socializadas como sejam o calendário e o
relógio. Hans Castorp entende de tal modo isto, que, quando o seu relógio deixa
de funcionar, abandona -o.
Segundo a teoria da relatividade, o Tempo não
existe, o espaço e o tempo são meras abstracções, pois o que apenas existe é o
Espaço-Tempo, e este, não é independente dos objectos que contém, nem por
consequência, do observador que o mede.
O mesmo
espaço de Tempo não tem para nós sempre a mesma duração; o Tempo, é comum
dizer-se: é o nosso interesse de momento, se o que se passa nesse instante não
nos interessa, o tempo parece nunca mais escoar; o inverso também é verdadeiro.
O tempo foge ou nunca mais passa, pensam os velhos e os adolescentes.
O Tempo é
uma mudança em dois sentidos diferentes: no sentido da elevação da vida e no
sentido da morte. Nessa parte de si próprio a que chamamos futuro, o Tempo é
esperança e temor, alegria e angústia, libertação e inquietação. Eis um
paradoxo que não pode ser entendido senão pela sua dualidade.
As
consequências biológicas do Tempo têm uma ressonância da mais fundamental
importância: a lei da irreversibilidade. Isto é: do nascimento à morte, o
organismo não é nunca idêntico a si mesmo… nunca voltará à casa da partida. Se
não somos doentes, viremos a ser. A Montanha Mágica é um romance sobre o transcorrer
do Tempo, a sua circularidade, a relatividade, a finitude e o descontrolo da
vida. A vida, a morte, acontecem, os ciclos de anos repetir-se-ão, tão
parecidos que nos confundem.
Se os
primeiros cinco capítulos do livro relatam apenas o primeiro ano de Castorp no
sanatório, e se os restantes seis anos são marcados pela monotonia e a rotina, e que, correspondem apenas a dois capítulos, transmitindo a percepção do aceleramento do
tempo; esta assimetria não resulta de uma percepção distorcida de Castorp
quanto à passagem do tempo. Pelo contrário, esta noção reforça a percepção de
que o Tempo é o interesse nele vivido. Quer dizer, ou o tempo é acção criadora,
mudança, um ganho que contribui para alargar o sentido da vida, ou não é nada.
Na Montanha Mágica, quanto mais a uniformidade do tempo se revelou, mais
alienado Castorp ficou, sem que se apercebesse, os anos voaram e mais a sua
vida se revelou vazia. Já foi tarde. Foi expulso do reino dos sonhos pela acção
dos canhões da 1ª Guerra Mundial.
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