Uma borboleta sem asas





                                                       
Madame Butterfly é, talvez, a melhor ópera já escrita. É uma história trágica de amor e sacrifício inspirada em factos reais. Puccini imortalizou-a numa das óperas mais comoventes que conheço. Situa-se no início do século XX, no Japão, a história de Pinkerton, o oficial da Marinha Americana que se casa com Cio-Cio, a jovem gueixa de apenas 15 anos, que pretende abandonar quando o seu tempo de serviço for concluído. Sharpless, o cônsul dos Estados Unidos em Nagasaki a quem Pinkerton não esconde as suas intenções, adverte-o da gravidade que seria magoar os sentimentos de Cio-Cio que acredita na seriedade do casamento pois está apaixonada por ele. “Cio-Cio”, é o nome para borboleta em japonês. As borboletas são isso: delicadas flores que voam. Pétalas voadoras que dão cor à natureza.

O cônsul fez-lhe uma delicada advertência: se tocarmos nas asas de uma borboleta, não mais voará. Ora, Pinkerton quis uma borboleta, mesmo à custa das asas.

No momento desta ária, passaram-se três anos sem que Pinkerton dê notícias: voltara aos EUA deixando Cio-Cio a aguardá-lo. À excepção dela, mais ninguém crê no seu retorno. “Um belo dia, veremos elevar-se um fio de fumo lá distante, no mar”, canta Cio-Cio com ar sonhador: “É ele quem chega”. O que Cio-Cio canta no segundo acto representa a distância entre o real e o sonho - de uma delicada, frágil, e ingénua borboleta. Para Cio-Cio  há uma viagem do retorno ou de repouso sobre si, o único repouso possível e ilusório é o de cada momento em que a esperança se abre. 

Esta ária constitui, provavelmente, a página mais expressiva de quantas já foram compostas no género. Já sabemos como é que acaba.

Escolhi a gravação de Maria Callas pelo êxtase dramático que só a sua voz podia alcançar.



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