O fogo do sol





     

Adagio do Concerto para Piano em Sol de Ravel
                                              

Há quem diga que o segundo andamento do Concerto para Piano em sol de Ravel é, a música mais bonita para um andamento lento na história da música. Para mim, os chamados impressionistas franceses (Ravel e Debussy), são apenas a parte meio-cheia da minha xícara de chá: continuo a sorver do lirismo dos andamentos lentos do Romantismo e do Classicismo, senão com a mesma doçura, pelo menos, com a suficiente sem me deixar um amargo de boca. Este “Adagio Assai” é uma peça comovente e notavelmente bem escrita. Ravel em termos de realização, de harmonia, de elegância - tocou nos fundamentos da melancolia - no que pode ser considerado uma valsa lenta.

Quer dizer: talvez o essencial da melancolia na música (em geral) constitua o caso-limite da ausência ou carência da metafísica, e que, ilusoriamente, compensamos com este encadeado de sons. As palavras são um arremedo pobre para acedermos a este espelho sonoro em que se reflecte a nossa consciência. Creio que por entre as notas de música, passa então, esta indizibilidade, mas também, as mais etéreas brisas, ou as tonalidades negras mais carregadas com que nos salvamos da desordem da vida.  A música é então onde tudo o mais emerge, um repouso de existir.

Este andamento é interessante de olhar como uma peça isolada, independente dos outros dois que compõem o concerto. O ambiente subtil e profundamente sugestivo do Adagio, não sugere outra coisa que o tal “efeito de planar sobre uma frase melódica”, próprio dos impressionistas, e menos o cliché sentimental dos andamentos lentos.

Ravel veio de uma geração que se quis livrar dos românticos, sendo este concerto para piano uma das suas marcas autorais. Basta referir as afinidades harmónicas que o segundo e terceiro andamento partilham com o jazz. Ravel percebeu que era possível construir novas fórmulas para evitar o sentimentalismo, a nostalgia e os gestos pomposos.

Com efeito, este despojamento e o ambiente ténue e leve do Adagio, vai de uma gama expressiva da quietude premonitória à plenitude do sol. Não como o “adeus ao dia” do post anterior, mas como razão da vida, algo que me aquecerá o coração ao fogo do sol.

Nota: Escolhi a gravação da Hélène Grimaud, porque, para além de ser bonita, actua como um veiculo da música, e não como show da pianista. 






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