A mãe de todas as caricias
Ainda Cio-Cio. É costume
dizer-se que a juventude é a idade das paixões. Mas faltaríamos à verdade se imputássemos
estas subidas de febre a uma tomada de compromisso pronunciado. A história de amor não correspondido entre a jovem gueixa e o oficial naval americano tem tudo para acabar mal. Já sabemos que Pikerton
vive de acordo com uma filosofia de vida que lhe permite ter uma mulher em cada
porto para ser feliz, apenas contraiu casamento com Cio-Cio para uso de estadia
em Nagasaki. Afinal, a aventura sair-lhe-á barata, por patacas, desfrutará de uma
bela casa e terá como mulher uma jovem encantadora mediante um contrato de
casamento por 999 anos... E, pelas leis do país, poderá desfazer o relacionamento
a qualquer momento.
Tudo seria simples, caso
Butterfly partilhasse do mesmo ponto de vista. Por momentos, chegamos a acreditar na reciprocidade dos sentimentos, na forma como Pikerton se entrega ao tálamo nupcial. Mas Cio-Cio é ingénua e,
apaixonou-se por Pinkerton desde o primeiro momento em que o viu. Por amor; negou a sua religião para abraçar o Cristianismo (o que causou a rejeição da
família); por amor, acreditou nos costumes americanos; por amor, confiou no
marido americano.
Mas Pinkerton foi-se, prometendo voltar. Cio-Cio é pobre,
assistida apenas pela fiel criada que cuida da criança nascida da noite de
núpcias, a única criança japonesa de olhos azuis e cabelos loiros em todo o
Japão. À criança é dado o nome de “Dor”. Talvez um belo dia (Un bel dì
vedremo), se e quando
conhecer o pai, se poderá chamar "Alegria".
Em Puccini, a consonância entre a música e o sentido, entre
o sentido e a ausência de palavras, é perfeita. Sem reduzir ao silêncio o que
já não é do âmbito da linguagem, Puccini dá-nos um coro sem palavras. Como se aquilo que pudesse ser dito, fosse prontamente
enunciado por uma degradação das palavras. Puccini sabe que toda a palavra é finita, este coro, é o ponto preciso onde todas as palavras se calam e a música de
Puccini fala. Uma melancolia assim como o adeus ao dia, e a impossível visão
durante a curva da estrada… Um dos coros mais belos que se conhece.
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