SALVA-ME ARMAGEDON, SALVA-ME
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Imagem: Domingos Monteiro |
"Escreve num postal:
como eu adoraria não
estar aqui
nesta cidade costeira
que se esqueceram de
bombardear
Vem! Vem! Vem - bomba
nuclear!"
Há paisagens que mantêm o seu encanto em qualquer época do
ano. Outras, como certas cidades à beira-mar, ou perdem o seu fascínio fora de
estação ou, pior, transmitem uma imagem de devastação, solidão e abandono. Se a
sensação inexorável do começo da próxima semana de trabalho for adicionada a
esta paisagem, o desconforto e o desânimo fazem-nos querer desistir da
segunda-feira e fugir do mundo.
Everyday Is Like Sunday é essa imagem que nos dá: a desolação
do que pode ser uma cidade de veraneio marítimo quando o verão se foi. Morrissey
compara a vida dessa entediante cidade ao vazio que os domingos trazem. “Todos os dias” naquela cidade são
chatos, “silenciosos” e “cinzentos”, exactamente como os
domingos. E detalha belamente o embotamento dos muitos que vão à procura de
refúgio espiritual para certas cidades costeiras. A primeira estrofe, implica desde
logo um sentimento de solidão e nudez quando “de volta ao banco/ as tuas roupas foram roubadas”. A aversão àquela cidade (e ao tédio) é tal, que só suplicando
ao Armagedon que “venha” para acabar
com o marasmo.
Mas, se notarmos com cuidado, a letra não se refere apenas a
uma bomba nuclear, mas a uma cidade de que se esqueceram de bombardear. Por
isso, a cidade foi poupada da destruição nuclear apenas para enfrentar uma destruição
mais insidiosa, mais prolongada, e a menção anterior ao desejo de ser
bombardeado é para que o “sofrimento” seja encurtado.
“Everyday Is like sunday” (Todos os dias são como domingo), é
sobre como a vida em geral é “silenciosa”
e “cinzenta”, e de como as pessoas quando
têm a possibilidade de “fugir” para cidades adoráveis e divertidas, esperam que
as suas preocupações desapareçam. Engano. Muitas vezes atravessam-se regiões ainda mais profundas de silêncio. E a prova disso, está, com efeito, na
dissonância entre a música e o texto; o brilho rítmico, vivo e alegre, ilude o
texto sombrio. Esta é uma das melhores canções que conheço para expressar
infelicidade associada ao tédio. Domingos e feriados, em regra, são dias de
faxina mental em que cada um se vê confrontado consigo mesmo num monólogo
interior, cujo silêncio é, muitas vezes, um comentário mudo (e subversivo) ao
comportamento exterior. Que “sujidade estranha”
é essa “no teu rosto” por onde se
esvai a vida?
Estou a salvo do tédio dos dias, namoro um homem que escreve ( e bem )
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