O romance é a epopeia do mundo sem deuses.


                                                                                

“A psicologia do herói do romance é o campo de actividade do demónio. A vida biológica e social tem uma propensão muito profunda para se fixar na sua própria imanência: os homens aspiram simplesmente a viver e as estruturas sociais a manter-se intactas; e o afastamento, a ausência de um Deus activo tornaria omnipotente a inércia dessa vida que se basta a si mesma e se abandona em paz à sua própria estagnação se não acontecesse aos homens, dominados pelo poder do demónio, elevar-se por vezes acima de si mesmos - de uma maneira infundada e infundável - e renunciar aos fundamentos psicológicos e sociológicos da sua própria existência. É então que esse mundo abandonado por Deus se revela de repente como privado de substância, mistura irracional, simultaneamente densa e porosa; o que parecia ser o mais firme quebra-se como argila seca sob os golpes do indivíduo possesso do demónio, e a transparência vazia que deixava entrever paisagens de sonho transforma-se bruscamente numa parede de vidro contra a qual, vítimas de um vã e incompreensível tortura, nos chocamos como a abelha contra o vidro, sem conseguir furá-lo, sem querer perceber que por aqui não há caminho.”
[…] 
“Que Deus tenha abandonado o mundo vemo-lo pela inadequação entre a alma e a obra, entre a interioridade e a aventura, pois que nenhum esforço humano se insere já numa ordem transcendental.”

 Georg Lukács, Teoria do Romance, tradução de Alfredo Margarido, Editorial Presença.



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