O MEDO DA INSIGNIFICÂNCIA
Para Theodor
Adorno, ideologia, hoje, significa sociedade enquanto aparência. O juízo, de
tão gasto, não merecia consideração, caso não assentasse em pressupostos de
clareza reflexiva de uma morte que não se quer anunciada por suporte digital.
De Hegel a Fukuyama, o proclamado fim da História, o mundo revelou-se global,
indiferente a valores transcendentes ou a ideologias. Com efeito, nenhum ideal
anima o curso do mundo. Editado em 2012, “ O medo da insignificância”, do
psicanalista Carlo Strenger, investigou o impacto da globalização na
identidade, a obsessão de uma ideia de viver uma vida espetacular, de sucesso e
celebridade. Concluiu que a questão define-se nestes termos: “estou
classificado (seja pelo Facebook ou a revista Forbes), logo existo”. Para
Strenger, é um sintoma do medo da insignificância. A obsessão com a celebridade
torna as coisas ainda piores. Faz com que os 99,99% que não são celebridades se
sintam mais insignificantes. As actividades virtuais costumam ser um retrato
fiel da realidade física. Isto é: o Facebook só disfarça a falta de relações
humanas. Aquilo a que os sociólogos denominam - solidão interativa.
Na sua formulação
tão bela quanto trágica -, “o esquecimento do ser”, Heidegger, cedo desvendou a
ambiguidade do nosso tempo – que é a da degradação e o progresso ao mesmo
tempo. À medida que progredimos tecnologicamente assistimos igualmente a uma
degradação da vida económica e social. Esquecido de si, o homem vive actualmente
um outro eu digital. Na urbe digital deixou de ser pessoa para se tornar “mensagem
em ecrã” (Baudrillard), e tende a disputar a identidade pessoal, mesmo que isso
implique a perda do corpo, fonte de prazer e dor. Sob o ponto vista literário,
o deambular do Ulisses digital, já nada tem de sons, sabores e odores, de ritmo
e complexidade viva. Se em Kafka, a armadilha em que se tornou o mundo, foi a
burocracia, no facebook, é a superficialidade das relações.
A chamada
selfie, as constantes actualizações na rede, a particularização, a
caracterização no sentido de distinguir e de individualizar no meio da massa
torrencial, significa, tornar seu o que poderia ser dividido com outros. Por
conseguinte, isto significa não compartilhar, no que resulta no triunfo do
hedonismo sobre o colectivismo. Na verdade, o facebook não serve para a
constituição da democracia, só funciona para formar comunidades, em que todos
partilham interesses e gostos comuns, e não sociedades, onde é preciso conviver
com as diferenças.
O
desenraizamento e o isolamento das massas, isto é, o homem que se satisfaz
plenamente com o trabalho e o consumo, completamente remetido a si próprio,
confrontado com a ausência de referências, perdido nas redes sociais, o
“santuário global da decadência”, não tem outra preocupação para além da
próxima actualização no Facebook. Para Baudrillard, “a obscenidade começa
quando tudo se torna de uma transparência e de uma visibilidade imediata,
quando tudo é submetido à luz crua e inexorável da informação e da
comunicação.”
Do
povoamento de lugares-comuns e de forma pseudofilosófica sobre as considerações
elevadas da vida, ao estendal dos filhos, às metásticas fun pages, a ontologia,
é o cheio, por meio da abreviatura da linguagem, onde, tudo o que é publicado
se torna instantaneamente desactualizado, em sucessivos
carregamentos/descarregamentos, numa espécie de holocausto estético.
É toda uma
série de códigos semiópticos pela qual a ubiquidade e variedade das massas
quebraram ao nível da linguagem os vínculos entre significante e significado na
distinção de Saussure. Sobre esta quebra de vínculo, em, “A Poesia do
Pensamento”, George Steiner, alerta-nos para a retirada da palavra nos novos
meios de comunicação e informação, da comunicação em geral e da sua promessa
tradicional de sentido, e por isso, dramática. Numa lógica simbólica de toda a
espécie, de códigos comunicacionais e semióticos diferentes dos códigos
linguísticos clássicos, constituem para ele, “o programa de uma purificação
político-moral da linguagem humana”, e dá o exemplo de Orwell que documentou
uma novilíngua, e neste caso, entendida positivamente como função de verdade.
O melhor
diagnóstico de destruição da realidade, isto é, do tempo de vida continuamente
consumido - numa bazófia que não visa viver mas ter aparecido, e portanto,
morrer – revela bem o sinistro poder de simular vida nas redes sociais. Pessoa,
na sua despersonalização dramática, lá nos vai identificando:
“Navegar é
preciso, viver não é preciso”
"o nada
vivo em que estamos"
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