Então Queres Ser Escritor?

                                                                  

se não rebentar dentro de ti,
a despeito de tudo,
não o faças.
a não ser que venha espontaneamente
do teu coração e da tua mente e da tua boca
e das tuas entranhas,
não o faças.
se tens de te sentar durante horas
a olhar para o ecrã do computador
à procura de palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou pela fama,
não o faças.
se o fazes porque queres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens de te sentar aí e
reescrever tudo outra e outra vez,
não o faças.
se o simples acto de pensar em fazê-lo te custa,
não o faças
se estás a pensar escrever como outra pessoa qualquer,
esquece.
se tens de esperar que te saia
como um rugido,
então espera pacientemente.
se o rugido nunca te sair,
então faz outra coisa.
se primeiro tens de o ler à tua mulher
ou à tua namorada ou ao teu namorado
ou aos teus pais ou a quem quer que seja,
não estás pronto.
não sejas como tantos escritores,
não sejas como tantos milhares de
pessoas que se intitulam escritoras,
não sejas pesado e chato e
pretensioso, não te consumas com
auto-estima.
as bibliotecas do mundo inteiro
bocejam até
adormecer
com gente do teu tipo.
não aumentes esse número.
não o faças.
a não ser que te saia
da alma como um foguetão,
a não ser que ficar parado
te leve à loucura
ou ao suicídio ou ao homicídio,
não o faças.
a não ser que o sol dentro de ti
te queime as entranhas,
não o faças.
quando a hora chegar verdadeiramente,
e caso tenhas sido escolhido,
acontecerá por si.
e continuará a acontecer
até que morras ou que morra em ti.
não há outra forma.
nem nunca houve.
“Os cães ladram facas“, de Charles Bukowski, Alfaguara Editores, tradução de Rosalina Marshal, 2018.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Reprodução Proibida

MORRER AO TEU LADO

A linguagem da transcendência