Além da linguagem
Foi um dia,
e outro dia, e outro ainda.
Só isso: o
céu azul, a sombra lisa,
o livro
aberto.
E algumas
palavras. Poucas,
ditas como
por acaso.
Eram contudo
palavras de amor.
Não
propriamente ditas,
antes
adivinhadas. Ou só pressentidas.
Como folhas
verdes de passagem.
Um verde,
digamos, brilhante,
de
laranjeiras.
Foi como se
de repente chovesse:
as folhas,
quero dizer, as palavras
brilharam.
Não que fossem ditas,
mas eram de amor,
embora só adivinhadas.
Por isso
brilhavam. Como folhas
molhadas.
Eugénio de
Andrade, In Os Sulcos da Sede, 2001
Nota:Nem todas as
coisas são apreensíveis ou dizíveis, a linguagem não chega a tanto. É dessa
simultaneidade e desse limite que nos fala o poema, isto é, as palavras não
ditas mas adivinhadas, ou pressentidas, são a percepção intrínseca do amor ou
da indizibilidade do seu ser. Na verdade, há espaços, tão íntimos e tão
profundos, que ainda não foram tocados pelas palavras, são apenas ouvidas pela
alma dos que se amam.
Um beijo de geometria (in)disciplinada para ti meu amor
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