Questões do coração
Estética e
cronologicamente, Robert Schumann situa-se entre Beethoven e Wagner, entre a
obra cosmopolita de um e a exaltação germânica do outro, e foi entre o período
Romântico o compositor que mais intimamente privou com a literatura.
Praticamente nascido dentro da livraria do pai, teve à sua disposição desde
tenra idade o melhor da literatura da época. Época em que as bases estéticas assentavam
no sonho, na fantasia e no sentimento, como reacção e oposição à razão
Iluminista. Influenciado por Rousseau, cuja filosofia recaía sobre “as questões
do coração” e não sobre as da razão, como era moda, coube a Schumann, dedicar-se
às nuances da melancolia.
Com efeito,
as questões do coração foram as questões da sua vida. Teve vários encontros
amorosos após a separação temporária daquela que viria ser a sua mulher, Clara.
O compositor teve várias paixões, entre as quais a pianista inglesa Robena Ann
Laidlaw, a quem dedicou as “Peças de Fantasia”, inspirado no poeta e músico
E.T.A. Hoffmann. Era um impulso seu provar o seu amor dedicando as suas
composições. Assim aconteceu com o Concerto para Piano e Orquestra nº 2 ,
oferecido a Clara Schumann, e foi a pianista, com o título “Fantasia” para
Piano, sob a direcção do seu amigo Félix Mendelssohn quem estreou a peça.
Clara Schumann (daguerreótipo)
A escrita da
“Fantasia” inspirou-se em boa parte no brilho dos concertos do próprio
Mendelssohn. Apesar da orquestração ser relativamente modesta ao nível das madeiras,
das trompas, trompetes, timbres e cordas, é dos meus preferidos. Fundamentalmente,
porque constitui o exemplo por excelência do espírito do concerto romântico. A
partitura exige que a solista seja capaz de interpretar as dissonâncias, isto
é, os elementos da paixão; os humores contrastantes e imprevisíveis; a clareza
da luz e as sombras.
O primeiro
andamento é um trecho de bravura dos mais enérgicos, não deixando um momento de
tréguas à solista Khatia Buniatishvili, que o desenvolve com garbo. A partitura
exige uma particular potência dos pulsos. Apesar do tumulto inicial, surgem
algumas passagens quase de música de câmara, como seja o diálogo do clarinete e
do piano. O que acentua consideravelmente o brilho e os contrastes, característica da alma romântica. O
segundo andamento está também mais próximo da música de câmara do que do
concerto orquestral. O último andamento: Allegro vivace é directamente encadeado
e assegura a continuidade do Allegro affetuoso do primeiro andamento, partilhando
com ele a velocidade avassaladora, que traduz a urgência de uma paixão
amorosa e a necessidade de amar.
Schumann
procurou descrever a “Fantasia” que dedicou à sua amada Clara: “Qualquer coisa
entre o concerto, a sinfonia e sonata”. O que constitui uma prova de amor
notável dirigido à sua mulher.
Post
Scriptum: não desejando fazer alarde da sua vida amorosa, Schumann dedicou a
obra ao pianista e compositor Ferdinand von Hiller.
palmas para a tua escrita apaixonante, palmas para a alma romântica de Schumann e para a bravura da Buniatishvili...
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