ENSAIO SOBRE O AFRONTAMENTO
O
Velho mercenário está a mancar connosco, diz Poussin voltando para o pé do
pretenso quadro. Apenas vejo cores confusamente empastadas e contidas por um
nunca mais acabar de linhas bizarras, que formam uma muralha de pintura…
-
Há uma mulher lá dentro!, exclamou Pobus.
Balzac
“A obra desconhecida”
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Vera Farmiga |
Parte I
Palavras-chave: Ortega y
Gasset, amor, sexo, Freud; Princípio do Prazer. Saramago. E onde se diz que é
por vontade-própria e não interessa que digam o contrário.
O amor entre um homem e uma
mulher deveria ser a experiência mais libertadora, construtiva e completa da
vida humana adulta, dizemos nós (e o projecto?). Deveria… contudo, o tipo de
união profunda que leva a esta experiência não é fácil de alcançar em se
tratando de homens e mulheres dotados de ideais e vontades contraditórias. O
instinto de viver e o de conhecer, como se sabe, entram em luta, e a alfinetada,
é o caminho da consciência. Ou poder-se-á escrever sobre o amor sem nunca ter
caído do cavalo? Segundo Ortega y Gasset em “Estudos sobre o Amor”, o amor
entre homem e a mulher está sujeito a três tipos diferentes de distorções.
First of all - A CONQUISTA
FÍSICA. Anatomia: entre lisos e estriados, são 639 músculos de atordoamento e sedução.
Queriam metafísica? Já lá vamos.
Pois, Gasset diz-nos que a
primeira distorção é a conquista física. Na primeira distorção, um dos parceiros
(ou ambos) vê o outro basicamente como fonte de prazer físico, sexual.
Os pormenores e concessões do
relacionamento são todos arranjados de maneira a aumentar as nossas
possibilidades e oportunidades de prazer físico. O parceiro é usado como uma
fonte de prazer, às vezes por sua própria vontade, sem ser enganado. Confusão
entre Vontade e desejo?
O prazer, sim, por isso não
interessa sequer que digam o contrário; o babe ou a babe é visto apenas como
uma coisa, um objecto (não confundir com abjeto, também nos calha em sorte),
uma condição e uma fonte de auto agrado. Já Saramago dizia: “Se a natureza nos
criou da maneira que o fez foi para que fossemos assim, e se nos deu as
necessidades que sabemos, foi para que as satisfizéssemos.” Ora nem mais, reduzidos à condição biológica, qual
metafísica.
Parte II
Palavras-chave: Adler e
Nietzsche, a vontade de ir à pesca (e não é de robalos).
Segunda distorção - A
CONQUISTA PSICOLÓGICA. Aqui a distorção é "du" malicioso e "du" perverso, muito
mais do que a primeira. “Humanos, demasiado humanos”, não chegámos aqui por
acaso... O objectivo aqui, segundo Ortega y Gasset, é o da conquista
psicológica. Isto é: os jogos de sedução, as estratégias e os movimentos são
mais subtis, destinados a persuadir psicologicamente o outro, a fazer com que
ele se apaixone e caia aos pés do conquistador, para ser dominado e submetido,
não apenas como um “corpo”, mas como “pessoa”. Ora aqui está a razão da famosa
discordância de Adler em relação a Freud –, “Princípio do Poder” subsumido à
“Vontade de Poder” de Nietzsche.
Quando a estratégia é
bem-sucedida, o suposto enamorado logo perde o interesse pelo que foi vencido.
Ele ou ela torna-se apenas mais um troféu na colecção do vencedor. O ditado é
velho: quando o peixe está no prato, perde a graça.
Parte III
Materialismo Psicológico ou Metafisica? Hitchcock
e Kim Novak. Materialismo Mecanicista e o bosão de Higgs. Onde se fala desse
Sapiens Sapiens, Adão e da sua amada Eva, e já agora de Jung - seu grande
místico, julgavas tu que Freud te aturava?
Terceira distorção - A IMAGEM
PROJECTADA. Genericamente, quando um homem e uma mulher se apaixonam, não é pela
realidade do outro, mas pela “projecção” do que o ser amado deveria ser. Sempre
o imaginário, de artistas e de loucos todos temos um pouco. La Palice não diria
melhor. Pode ser que a imagem projectada seja derivada de uma mãe, de um pai ou
de um sonho. É como os chapéus, Édipos há muitos. Carl Jung, esse grande
místico, dizia que todo o homem carregava a sua Eva dentro de si o seu Adão, o
que quer dizer que todo o homem carrega no subconsciente a imagem da mulher
ideal. O mesmo é dizer, lá está, que toda a Eva carrega dentro de si o seu
Adão.
Ora aqui está o segredo do
bosão de Higgs, por isso se explica porque certos homens se apaixonam por certo
tipo de mulheres e vice-versa. Sempre a bem do engano. A imagem projectada pode
ter em alguns casos, muito pouco a ver com a pessoa real. O problema aparece
quando insistimos em manter a imagem e querer que o outro se ajuste a ela.
Desta forma, estraremos a amar uma fantasia, uma projecção. Conclusão: podemos
nem chegar a conhecer a pessoa com a qual vivemos uma vida inteira. Para mais
informações sobre a insistência da imagem projectada, sugere-se Vertigo, de
Hitchcock. Um dos filmes da vida.
Nota bibliográfica: Estudos
sobre o Amor, Ortega y Gasset, trad. Elsa Castro Neves, Relógio D’ Água Editores,
2002.
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