A febre, a paixão, a inquietação, o fogo da inteligência, a ironia e a angústia.

                                   

                                                   


Brincando, brincando, como quem não quer a coisa, lá vou acrescentando os amigos que habitam as paredes dos meus dias ao aquário digital. Se há sítios em que me sinto em casa, é no Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia (ou Museu Espanhol de Arte Contemporânea, MEAC), onde está “Figura Deitada” (1966) de Francis Bacon. Como David Sylvester observou: “A falta de interesse erótico pessoal de Bacon por mulheres nuas não fez nada para impedir que essas pinturas fossem tão apaixonadas quanto as dos corpos masculinos que o obcecavam.” Francis Bacon, que viveu as sucessivas falências das duas guerras mundiais, foi além da nossa (in)fiel imagem   ao espelho, para reflectir sobre a condição humana, a violência inerente à nossa natureza, o isolamento existencial, a ideia de ameaça, e ofereceu-nos a nossa imagem: aquela que incorpora a angústia da nossa era.                                                       
                                    Francis Bacon, Figura Deitada, 1966. Óleo sobre tela, 198X147


 A concepção de Bacon da pintura, parte da reiteração da arte figurativa como uma forma de expressão crítica da realidade na era do triunfo da arte abstracta. A figura nua deitada é determinada por um espaço de carácter ascético, não deixa de ser uma representação crítica biopolítica, irónica e amarga sob a imposição de normas de obediência. O facto de estar deitada ao contrário, com a cabeça para os pés, é disso elucidativo. O asceticismo, por definição, defende a abstenção dos prazeres físicos, aos quais são negados todos os desejos carnais ou mundanos. Não vemos aqui um Francis Bacon transgressor, como vemos no trato da religião, mas uma abordagem sobre o corpo humano a partir da sua visão niilista da existência, isto é, marcada essencialmente pela fisicalidade, mas também pela inevitabilidade da morte. A fisicalidade da sua representação do corpo parece querer encontrar a imutabilidade oprimida, seja pelas normas de conduta, seja pela vulnerabilidade da natureza humana.
A serenidade aparente de “Figura Deitada” repousa sobre um equilíbrio de um efeito sensual notável. Nele a alma voga à deriva de um mar de sentimentos melancólicos: tristeza, desejo, e um pensamento onde se percebe a fragilidade da nudez humana. 


                                                  

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