A cor do canto
Não seria necessário recuarmos ao longínquo (e tão próximo)
Beethoven para nos darmos conta de que “a procura do sentido” implica a
desagregação dos múltiplos discursos da arte. Bastar-me-ia mencionar a tutelar Nina
Simone. Não me refiro às “dissonâncias” onde estas encontram a sua solução no
mundo idealizado da música. Não é necessário procurar algo de tão rebuscado; estou
a falar de algo muito mais simples - como o timbre. Repare-se na voz desta
mulher: pouco convidativa; andrógina; sombria; rouca; áspera. No entanto, são
estas imperfeições que lhe conferem poder e sedução. Assim como a poesia é um
desvio à linguagem, a voz de Nina Simone é um desvio tímbrico àquilo a que
estamos habituados a ouvir. A sua música revela as suas enormes capacidades de
orquestrar com subtileza o seu timbre.
Black Is The Color Of
My True Love's Hair é um clássico absoluto, e não conheço melhor canção que
realize tão bem a sua música tão profundamente entrelaçada no seu tom de pele.
A vida e a carreira de Nina Simone foram fortemente marcadas pelo facto de ser
negra, quer pela impossibilidade de se tornar numa pianista clássica por esse
motivo e o preconceito racial que dominava (e ainda domina) os EUA, quer pelo
activismo dedicado à luta pela igualdade de direitos dos negros. Nina Simone
usou a negritude como campo de batalha para provar que o negro é tão belo como
os padrões caiados da sociedade. Sinto-me salvo do sarro dos dias por quem,
como Nina Simone, saiba apropriar-se do discurso da música (da arte) e seja
capaz de formular um “ser único” e me devolver em espelho o que sinto em gosto
e grau de afinidade. O amor e a cor, são as harmonias perfumadas de um véu
através do qual se revela um mar de sentimentos, doces e melancólicos, que me dão
o retrato musicalizado e perfeito de Nina Simone.
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